Varal de Gerações
Demétrius Carvalho
Não conheci meu bisavô. Nem por foto. Naqueles tempos não era comum uma fotografia. Na verdade, a fotografia era quase um evento. Escolhia-se as melhores roupas, reuniam a família e se pudesse ser um lugar ensolarado como em um parque. Ou mesmo na marginal Tietê. Um dia eu pesquisei na internet e até encontrei um povo bem vestido passeando de barco nas marginais. Vários chapéus, várias fotos, mas nada de meu bisavô com chapéu. Era difícil naquele tempo. Era caro também. Era status.
— Então foi o bisavô que começou essa tradição pai?
— Sinceramente eu não sei filha.
Perguntei para o seu avô se o avô dele já usava, mas não temos certeza. Isso só ficou claro com meu avô, mais conhecido como seu bisavô. Quando meu avô começou a aparecer nas fotos sempre de chapéu, o bisavô foi lembrado por ele, mas acho que nunca saberemos se o tataravô usava chapéu. Achamos que o tataravô usava, sabemos que o bisavô usava, temos fotos com o avô, o meu está aqui em minha cabeça, mas você é a mais excêntrica de todas Dayse.
— Por quê?
— Se antigamente era status, hoje o que é?
— E precisa ser algo?
— Sei lá. Não é comum moças andando de chapéu hoje em dia. Nem a sua avó usava mais, o que dirá sua mãe.
— Eu poderia dar várias razões, proteger do sol, que tal? Mas não, é uma ânsia de minha alma de encontrar uma sutileza para tornar-me única.
— Como assim?
— É como a poesia sabe?
— Não entendo.
— Ela é supérflua, mas embeleza, traz leveza ao redor.
— Uma vez estava entrando no mercado e você estava saindo. Não me viu, mas não tinha como você passar despercebida com seus chapéus. A garota do caixa falou cerca de 5 minutos depois quando pagava as contas que uma garota muita simpática havia passado ali com um chapéu também. Coincidência duas pessoas com chapéu aqui. Ela teria idade para ser minha filha. Não disse para ele que você era minha filha.
— Mas é meio que isso. Ela disse que a moça era simpática, não o chapéu, mas o chapéu, destacava-me de alguma forma, embora, supérfluo.
O aroma de café invadiu a varanda. Devia então ser 15:00h e alguns minutos. 8 ou 10. A mãe era pontual com esse café e se ele já estava pronto, alguns poucos minutos se passavam de 15:00h. Isso também significa que na área de serviço, o sol já devia ter se escondido. É que do lado tinha um prédio alto e logo não havia mais sol. Tomamos o café e ninguém falava nada, ou não com os olhos. Não sei se de propósito, não sei se para contemplar o sabor do café ou mesmo a pausa para o cérebro respirar com um pequeno intervalo no meio do dia, mas, ninguém falava.
Meu sobrinho entra correndo na cozinha, falando rápido. Muita energia. Ele usava um boné verde oliva. Estaria ele já utilizando um chapéu para dar continuidade à família ou era mera coincidência?
— Diogo, você quer usar um chapéu?
— Eu não uso chapéu tia.
— Isso que você está usando não é um chapéu?
— Não tia, é um boné.
—Ah, entendi.
Sol que se foi, café tomado. Peguei uma pilha dos chapéus que aguardavam para poder visitar. Fazia aquilo com uma certa freqüência e Diogo sabia que eu deixaria eles no varal arejando.
— Eu seguro e você prende eles tia.
Quando acabamos, ele me olha e diz:
— É bonito tia.
— O quê?
— Os chapéis
— Chapéus.
— É bonito os chapéus assim pendurados.
— E por que você não usa um?
— Por que eu ainda não alcanço para por os chapéis, é… chapéus no varal, mas quando eu crescer, eu vou usar.
Meu pai que chegava perto, ouve a frase e fala:
— É como a poesia… desnecessário explicar…