Crítica de Filme | O Cheiro da Gente

Bruno Giacobbo

Nascido em Tulsa, no estado de Oklahoma, uma cidade com menos de 400 mil habitantes, o fotógrafo Larry Clark se mudou para Nova Iorque, aos 21 anos, para dar início a sua carreira artística. Antes de se aventurar na indústria cinematográfica, ele fez fama, em 1971, com um livro de fotografias que leva o nome do lugar em que nasceu e retrata a rotina de jovens drogados. Em 1995, ao dirigir “Kids”, seu primeiro longa-metragem, decidiu filmar adolescentes sexualmente ativos e consumidores de substâncias entorpecentes (leia-se, álcool e drogas ilícitas). Duas décadas se passaram e O Cheiro da Gente, novo filme do artista, poderia perfeitamente se chamar “Kids 2”, uma vez que mostra um universo bastante parecido, só que composto por jovens franceses. Apesar de ter se tornado um cidadão do mundo, estas obras, olhadas em conjunto, denotam que Clark jamais conseguiu abandonar suas raízes. As situações nelas retratadas, de alguma forma, foram vivenciadas pelo cineasta desde cedo e isto o marcou profundamente.

Math (Lukas Ionescu) e JP (Hugo Behar-Thinières) perambulam pelas ruas de Paris à toa. Eles são skatistas, usuários de drogas, por vezes, vândalos e michês. Apesar de aparentemente não passarem necessidade em casa, eles fazem programa com homens e mulheres, de todas as idades, só para terem mais dinheiro e comprarem roupas de marca. Quando não estão largados por aí, jogam vídeo-game. Realizam todas estas atividades ‘lúdicas’ da mesma maneira. Sem ânimo e nenhuma centelha de paixão. Andar de skate, fumar ou transar, dá tudo na mesma. São existências entorpecidas. Há ainda outros jovens: Marie (Diane Rouxel), Pacman (Théo Colbi) e Guillaume (Ben Yaiche Ryan). O último também se prostitui. Já o segundo é o namorado invocado da menina, a única personagem feminina da turma, que, lá pelas tantas, terminará com ele e tentará fazer sexo com todos os garotos.

O Cheiro da Gente Meio

O cinema, como qualquer outra manifestação artística, é carregado de subjetividade. Por mais que algumas pessoas tentem negar, um artista sempre coloca um pouquinho de si, do que viveu, em suas obras. Mesmo um filme que pretenda mostrar uma determinada realidade, jovens como estes existem em Paris, Nova Iorque ou Rio de Janeiro, é influenciado por esta carga subjetiva. Aqui, examinando a biografia do autor, nem há esta tentativa de negar. A influência é escancarada. O problema é: tudo o que é subjetivo corre o risco de não ser compreendido por todas as pessoas. Minhas experiências são diferentes das suas, logo, algo que faça sentido para mim não necessariamente fará para você. E é isto que acontece em O Cheiro da Gente. Ao ligar sua câmera e dar partida nesta experiência cinematográfica de 88 minutos, o diretor filmou voyeuristicamente, sem se preocupar em criar qualquer laço de familiaridade entre o público e os personagens.

Jovens com Math, JP ou Marie podem ser protagonistas de uma longa. Não é porque não compartilhamos de suas experiências, ao longo da nossa juventude, que não possamos nos identificarmos com elas ou com o drama destes meninos. Podemos e isto talvez tivesse acontecido se houvesse uma boa história de background. Com a complexidade dramatúrgica de um programa tipo “A Fazenda”, os protagonistas de Clark fazem tudo por fazer. Não há uma razão aparente para se drogarem ou se prostituírem. Consequentemente, fica difícil termos simpatia ou compaixão por eles. Esta história seria a forma mais fácil de criar o tal laço de familiaridade, mas ela foi desprezada em prol de um voyeurismo vazio onde abundam corpos nus e algumas cenas, mais ou menos, chocantes (em uma, o próprio diretor aparece chupando o pé de Math) com as quais se tenta impressionar os espectadores. Só que nem isto ele consegue neste filme que, na virada do ano, já terá sido desprezado pela memória do cinéfilo mais exigente.

Desliguem os celulares.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Larry Clark.
Roteiro: Mathieu Landais e Larry Clark.
Elenco: Lukas Ionesco, Hugo Behar-Thinières, Diane Rouxel, Théo Cholbi, Ben Yaiche Ryan, Adrien Binh Doan e Terin Maxime.
Som: Pascal Armant.
Montagem: Marion Monnier.
Diretor de Fotografia: Hélène Louvart.
Duração: 88 minutos.
País: França.
Ano: 2014.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

0