Crítica de Filme | Segunda Chance

Larissa Bello

A diretora dinamarquesa Susanne Bier fez parte da turma de Lars Von Trier na época da criação do movimento Dogma 95. Tal movimento se propunha em ser uma espécie de manifesto cinematográfico cujo intuito era a realização de filmes baseados em algumas regras pré-determinadas, tais como: não fazer uso de luz artificial, não fazer uso de cenários e assessórios cenográficos, câmera na mão, entre outras. Deste movimento, Susanne fez “Corações Livres” (Elsker Dig For Evigt, 2002). De lá pra cá, nota-se em sua filmografia uma temática recorrente; as perdas que acontecem na vida. Perdas no sentindo amplo da palavra, seja de um ideal, de uma questão ética ou de pessoas que se vão. Em 2011, Susanne ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “Em Um Mundo Melhor” (Hævnen, 2010).

Seu mais recente filme, Segunda Chance (En Chance Til, 2014) consegue agregar, de forma intensa e contundente, diversos sentimentos de perda dentro de uma mesma história. Talvez por isso o filme seja uma experiência dramaticamente bem pesada para ser assistida. A história gira em torno do casal Andreas, vivido por Nikolaj Coster-Waldau (o Jamie Lannister, de “Game of Thrones”) e Anna (Maria Bonnevie), que acabam de se tornarem pais do pequeno Alexander. Ele trabalha, junto a seu parceiro Simon (Ulrich Thomsen), como detetive da polícia. Um dia eles são chamados para uma batida policial na casa de um casal de viciados em drogas, Tristan (Nikolaj Lie Kaas) e Sanne (May Andersen). Andreas encontra escondido dentro de um armário, o filho bebê do casal e fica chocado com as condições precárias da forma como aquela criança está sendo criada. Ele tenta fazer com que alguma providência seja tomada, mas é em vão.

Second_Chance-Sanne e Tristan A primeira dor da perda da história do filme acontece quando o filho, recém-nascido, de Andreas e Anna amanhece morto. Em uma atitude impulsionada pelo sofrimento, ele vai até a casa do casal de viciados e encontra o filho deles chorando no chão do banheiro com as fraldas sujas. Imediatamente, em um ímpeto de desespero, Andreas resolve trocar as roupas das crianças e deixar o seu filho morto no lugar do filho de Tristan e Sanne. A partir daí, a narrativa vai crescentemente ocorrendo de maneira cada vez mais dramática.

A atitude criminosa de Andreas levanta uma questão não só ética-legal-moral, como também faz refletir sobre aquilo que alguns chamam de uma certa injustiça divina em relação as perdas que passamos pela vida. Afinal, por que um casal saudável, feliz, com boas condições financeiras e estruturais tem o seu filho morto, enquanto outro casal completamente sem nenhuma estrutura e cuidado, consegue permanecer com o seu vivo? Não seria essa uma troca justa? O decorrer da história vai nos mostrando que a nossa incompreensão perante as perdas está atrelada a imensa dificuldade que temos em aceitá-las. E nem mesmo a tentativa de despistá-las é capaz de fazer que a dor cesse, pelo contrário, só faz com que ela aumente e se estenda ainda mais. Sanne, mesmo sendo viciada em drogas e sem condições emocionais equilibradas, é mãe e tem amor pelo seu filho. A ideia de perdê-lo lhe causa a mesma dor que Anna sente. E aliás, vale destacar a excelente atuação da ex-modelo May Andersen (Sanne), que faz aqui sua estreia como atriz.

segundachance_interrogatorioO roteiro do filme apresenta diversas viradas emocionais, principalmente na parte final, o que torna o percurso dos acontecimentos bem interessante, porém, são seguidamente sofrimentos em demasia para os personagens, o que faz com que a história acabe perdendo um pouco a veracidade narrativa. É inegável a boa direção de Susanne e o desempenho dos atores, além de uma fotografia cuidadosa e delicada que contribui para dar uma leveza aos contundentes acontecimentos.


FICHA TÉCNICA
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Elenco: Nikolaj Coster-Waldau, Ulrich Thomsen,  Nikolaj Lie Kaas, Maria Bonnevie, May Andersen
Produção: Zentropa Entertainments, Danmarks Radio (DR), Det Danske Filminstitut, Film Fyn, Film i Väst (in co-production with), Svenska Filminstitutet (SFI), Sveriges Television (SVT), Zentropa International Sweden
Gênero: Drama
Duração: 102 min
Ano: 2014

Larissa Bello

Graduada em Rádio & TV. Pós-graduada em Leitura e Produção Textual. Capixaba, residiu por 8 anos no Rio de Janeiro, onde atuou em diversas áreas do audiovisual. Atualmente reside em Fortaleza/CE, onde é afiliada da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema) e é autora do blog Cine em Foco (https://cineemfoco.blogspot.com/).

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