BAÚ DO BLAH! | ‘Os Encontros de Anna’ (1978)

Bruno Giacobbo

|

15 de março de 2019

É impossível falar de Os Encontros de Anna (Les Rendez-vous d’Anna), filme lançado por Chantal Akerman, em 1978, sem falar de sua obra-prima, “Jeanne Dielman, 23, Quai Du Commerce, 1980 Bruxelles”. Exibido três anos antes, o segundo mostra a rotina diária de uma dona de casa (Delphine Seyrig) e de seu filho adolescente. É um complexo e perfeito estudo de personagem. Uma película que exige do espectador uma boa dose de paciência, devido seu ritmo propositalmente lento e uma suposta falta de ação. No entanto, ao término de suas 3h15, ele premia os pacientes com um final desconcertante e doloroso. Feito dentro de uma estrutura completamente diferente, o primeiro acompanha o périplo de uma cineasta (Aurore Clément), em vias de lançar sua nova produção, por três países da Europa. Um possui diversas locações; o outro, parcos cenários; já as personagens, inegavelmente, possuem perspectivas opostas de vida. Logo, eles parecem bastante distintos. Certo? Não.

Leia mais:

– BAÚ DO BLAH! | ‘A FONTE DA DONZELA’ (1960)
– BAÚ DO BLAH! | ‘AMOR ESTRANHO AMOR’ (1982)
– BAÚ DO BLAH! | ‘SEU ÚLTIMO REFÚGIO’ (1941)

Quando escrevi, recentemente, neste mesmo espaço, sobre “Jeanne Dielman”, discorri sobre o caráter autobiográfico de algumas obras. Com todas as letras, em seguida, falei sobre como a protagonista e a cineasta belga não poderiam ser mais diferentes, com a exceção do último ato trágico de suas respectivas existências, a fílmica e a real. Todavia, quando versei sobre isto tudo, ainda não tinha visto o longa-metragem que tem Anna como personagem principal e que é, assumidamente, autobiográfico. Só aí, depois de ter assistido aos dois, pude ver o quanto de Chantal reside em Jeanne Dielman, uma vez que há grandes semelhanças entre as duas protagonistas, em que pese as tais perspectivas opostas de vida que citei anteriormente.

Jeanne Dielman e Anna encaram a vida de forma apática. Com afazeres distintos, elas cumprem suas rotinas de forma robótica. Nada, ao longo dos dois filmes, parece animá-las. Seus rostos são incapazes de sorrir. Elas estão resignadas ou conformadas, aí vocês podem escolher a palavra, perante a vida. Nem o sexo é um meio de prazer. Em uma cena, a cineasta confessa para a sua mãe que quando se dá conta já catou alguém na rua e levou para sua cama. E assim vai transando e não amando. Já a dona de casa faz por dinheiro, possivelmente, para completar a pensão deixado pelo marido falecido. Também transando e não amando. E essa letargia, isto, letargia talvez seja melhor do que resignação ou conformação; se espalha para os demais personagens de Os Encontros de Anna. Daniel, o namorado oficial da personagem, é apresentado igualmente como alguém bem-sucedido. Ainda assim, ele diz, lá pelas tantas, que já pensou em se demitir três vezes.

Apesar da estrutura diferente, as semelhanças entre os dois filmes vão além das similaridades entre as personagens principais. O estilo de filmar de Chantal Akerman está ali, presente nas duas películas: planos longos, closes e câmera estática, embora esta se faça mais presente e frequente em “Jeanne Dielman, 23, Quais Du Commerce, 1080 Bruxelles. Uma curiosidade: a câmera nem sempre enquadra os atores por inteiro. Às vezes, ela pega só o tronco. Quem assistiu aos documentários da diretora, sabe que este estilo se perpetua por toda a sua obra. Em “Não é mais um filme caseiro” (2015), o DOC em que ela se despede da mãe e de seu público (a cineasta se suicidaria pouco tempo depois), vemos os planos longos, a câmera estática e os torsos descabeçados. Apenas os closes não estão lá. Poucos cineastas transitaram com tanta desenvoltura entre a ficção e a realidade empregando a mesma forma de filmar.

Os Encontros de Anna não é um estudo de personagen tão poderoso quanto o outro longa-metragem de ficção citado nesta crítica, mas nem por isto é uma obra menos especial. Seu take derradeiro é quase tão desconcertante quanto o de “Jeanne Dielman”, em parte por Aurore Clément ter uma atuação tão magnética quanto a de Delphine Seyrig, e ele nos faz pensar se em um futuro próximo, que só existe na imaginação dos espectadores, o desfecho de Anna não seria tão trágico quanto o de Jeanne Dielman e o de Chantal Akerman.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

https://www.youtube.com/watch?v=t5LEZND5rkk

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Les Rendez-vous d’Anna
Direção: Chantal Akerman
Elenco: Aurore Clément, Jean-Pierre Cassel, Magali Noël, Helmut Griem, Hanns Zischler, Lea Massari
Produção: CCA (FWB), Hélène Films, Paradise Films, Unité Trois e ZDF
País: Bélgica, França e Alemanha
Gênero: drama
Ano de produção: 1978
Duração: 127 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
O que sabemos sobre Wicked Boa noite Punpun Ao Seu Lado Minha Culpa Lift: Roubo nas Alturas Patos Onde Assistir o filme Lamborghini Morgan Freeman