CRÍTICA #2 | ‘Animais Noturnos’ ficará por bastante tempo no imaginário dos espectadores

Bruno Giacobbo

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30 de dezembro de 2016

De ator de comerciais a empresário que revitalizou a tradicional marca de roupas italiana Gucci; de estilista de sucesso a cineasta estiloso; tudo isto em 55 anos. Com esta idade, muitos estão pensando no que fazer após se aposentar. Muitos estão em pânico com a ideia de que terão que abandonar uma rotina a qual já estão acostumados para se habituar a um novo dia a dia. Não, Tom Ford definitivamente não faz parte deste grupo. O eclético artista que não se ‘conformou’ em ser vitorioso somente em uma área, se reinventou com a maestria dos gênios. Depois de debutar nas telonas com “Direito de Amar” (2009), longa que rendeu uma indicação ao Oscar ao ator britânico Colin Firth, ele retorna com Animais Noturnos (Nocturnal Animals), filme que apesar de ser uma adaptação cinematográfica do romance “Tony e Susan”, do autor Austin Wright, carrega um pouco do DNA do seu diretor, roteirista e produtor.

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A história transcorre em três linhas narrativas, duas reais e uma moldada pela ficção. Susan (Amy Adams) é uma famosa marchand. Proprietária de uma galeria de arte, leva uma vida de aparências com o marido, Hutton Morrow (Armie Hammer), que a trai em suas viagens de trabalho. As falsas aparências não se restringem ao matrimônio. Elas estão presentes, também, nos negócios do casal. Apesar de estarem falidos, logo no começo do filme somos os convidados de uma festa suntuosa onde eles são os anfitriões. Contudo, nem sempre Susan quis esta vida. Antes de comercializar arte alheia, ela sonhou em ser artista. E nem sempre foi casada com Hutton. Seu primeiro esposo era alguém tão sonhador quanto ela, Edward (Jake Gyllenhaal), um aspirante a escritor. Um dia, eles caíram na real, os sonhos evaporaram e não sem mágoas, que são apenas parcialmente mostradas ao público, cada um seguiu seu caminho.

Uma das narrativas reais do longa-metragem é a infeliz e fútil vida que Susan leva hoje. Já a outra é o seu passado ao lado de Edward. E a fictícia? Bom, quem disse que ninguém nesta história conseguiu realizar seus sonhos? Eu não disse. Agora solteiro, o aspirante se tornou um escritor de verdade e está prestes a lançar seu primeiro romance: “Animais Noturnos”, obra que batiza a própria película. Em uma espécie de vingança, Edward envia o original de sua publicação para a ex-esposa. Junto, uma dedicatória e uma pitada de ironia: o título é o apelido que ele deu a Susan, quando casados, por ela sofrer de insônia e não conseguir dormir. Com um interesse natural, a protagonista se embrenha nas páginas e nota outras semelhanças. A personagem principal se parece bastante com ela e isto não é nada legal, uma vez que a trama do livro é extremamente violenta e chocante. O desenrolar desta, com seus fascinantes carácteres, o detetive da polícia Bobby Andes (Michael Shannon) e o maníaco Ray Marcus (Aaron Taylor-Johnson), constitui a terceira linha narrativa.  

A abertura é de tirar o fôlego! Não há como alguém não se surpreender. Um grupo de mulheres, todas bem acima do peso, vestidas de cheerleaders, dançando de maneira, digamos, sensual, enquanto aparecem os créditos iniciais. Cada pessoa, sentada na sua cadeira, reagirá de um jeito. Alguns enojados, alguns excitados. Certo mesmo é que ninguém conseguirá ficar indiferente. Neste exato momento, o cineasta-estilista alcançou um dos seus objetivos: tirar o público da zona de conforto. Esta primeira cena serve, ainda, para apresentar quem é Susan. As mulheres, na verdade, são parte de uma instalação visual exibida em sua galeria. Com este vídeo, o realizador conseguiu, também, dar o tom da sua obra. Estilosa como ele e condizente com a profissão e a vida da protagonista. O filme é todo assim: elegante, luxuoso, com alguns momentos bastante coloridos e igualmente condizente ao ofício anterior do diretor. Ai está metade do DNA ao qual me referi lá em cima, a outra está no fato dos personagens principais levarem uma vida de aparências (do jeito que muita gente faz no mundo da moda) e na capacidade destes em se adaptar e mudar de vida, como fez de uma forma bem mais sucedida Ford.

O outro objetivo do cineasta era o de qualquer pessoa no seu lugar: contar uma ótima história. Apesar do filme ser bastante tenso, instigante e marcante, esta meta não foi plenamente alcançada. Há um certo desequilíbrio entre as três narrativas. A ficcional é bem mais interessante e responsável pelo fascínio que a obra desperta do que as outras. Os personagens de Shannon e Taylor-Johnson são, sem dúvida, os melhores. Logo atrás, vem o de Gyllenhaal. Acontece que este interpreta dois papéis diferentes. Edward e um outro no enredo escrito por este. De novo, o papel da trama fictícia é o que dá mais gosto de ver. Dito isto, não é que Amy Adams, por exemplo, esteja mal em cena. De jeito nenhum. Extremamente bela, trajando modelitos que parecem recém saídos da última coleção da Gucci, ela desempenha seu trabalho corretamente, contudo, sem brilhar jamais. É nítida a impressão de que foi prejudicada pelo roteiro, a partir do momento que este negligenciou sua narrativa. E aí uma pergunta se impõe: Porque, assim como Gyllenhaal, ela não interpretou um papel na trama do livro? Só Tom Ford pode responder.

De resto, com o auxílio de uma fotografia luxuosa que contribui decisivamente para o estilo da obra, ao, entre outras coisas, realçar todas as suas belas cores e elegância, Animais Noturnos é um filme impactante e com um desfecho que deixará muita gente desconcertada. Mesmo sem ser perfeito, ele ficará por bastante tempo no imaginário dos espectadores.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Nocturnal Animals

Direção: Tom Ford

Roteiro: Tom Ford

Elenco: Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon, Aaron Taylor-Johnson

Fotografia: Seamus McGarvey

Produção: Fade to Black Productions, Focus Features e Universal Pictures

Distribuição: Universal

Duração: 116 min.

Ano: 2016

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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