Crítica de Filme | Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte

Laura Udokay

A história do filme é contada por Martin Joubert (Fabrice Luchini), um habilidoso padeiro e inflamado admirador da obra de Flaubert, Madame Bovery. Ele fica um tanto desatinado com a chegada da moça inglesa, Gemma (Gemma Arterton) e seu marido, Charles (Jason Flemyng). Em sua mente, e com certa razão em ver as coisas desse modo, a vida dos recém-chegados é um tipo de personificação da trama de Madame Bovery. Por esse motivo, Martin sente-se impelido em mudar, na vida real, o desfecho da sua musa e vizinha. E assim, se inicia o filme Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte.

Com uma narrativa não-linear, Gemma é uma Lolita 2.0. Com rosto de menina sardenta, ela é dessas garotas que sabem que são bonitas.

Como fica evidente, Martin precisa dar um sentido para sua existência pacata, e faz isso cuidando da vida de Gemma, que também está entediada na Normandia. A personagem é resumida em uma boa atuação de caras e bocas, mas sem grandes falas. E o mesmo vale para os personagens inseridos em seu círculo social, como o marido. O homem fica patinando entre o impasse da infidelidade de sua esposa e a tentativa para compreender os motivos desse adultério.

Niels Schneider and Gemma Arterton star in Anne Fontaine's film Gemma Bovery. Credit: J¾©r¾¥me Pr¾©bois.

O filme anda de mãos dadas com a literatura, então, fica um pouco confuso para o espectador compreender a relação entre a vida de Gemma com a de Madame Bovery. Para quem desconhece a protagonista da literatura, basta sentar na frente da tela e ver no que dá. Apesar da voluptuosa inglesa pipocar em cenas calientes, sua atuação é basicamente “ser vista”. Seu amante também é apenas um instrumento para levar a trama adiante. Ele, que parece um garotinho bonitinho e bobo perto do mulherão que é Gemma, formam um casal fofo, todavia um pouco incompatível, também.

Quem leva mesmo toda a história nas costas é o padeiro, que narra os acontecimentos segundo seu ponto de vista, digamos, ligeiramente psicótico. Ele tem uma instantânea fixação por Bovery, e leva isso a um nível desastroso.

A fotografia é um colírio, e os pães artesanais de Martin são irresistíveis de olhar, a gente quase sente o sabor.

A cineasta Anne Fontaine conseguiu elaborar um universo complexo e sensual. E se a vida imita a arte, é melhor caprichar no diálogo, porque Gemma poderia ter sido mais que um mero par de seios e sardas. Fica um “quê” de melancolia, como um ponto final que se sairia melhor com mais palavras a anteceder.

FICHA TÉCNICA

Gênero: Drama
Direção: Anne Fontaine
Roteiro: Anne Fontaine, Pascal Bonitzer
Elenco: Christian Sinniger, Edith Scob, Elsa Zylberstein, Fabrice Luchini, Isabelle Candelier, Jason Flemyng, Kacey Mottet Klein, Marie-Bénédicte Roy, Mel Raido, Niels Schneider, Pascale Arbillot, Philippe Uchan, Pierre Alloggia, Pip Torrens
Produção: Matthieu Tarot, Philippe Carcassonne
Fotografia: Christophe Beaucarne
Montador: Annette Dutertre

Laura Udokay

Laura Udokay é dessas garotas que tiveram uma infância de “garoto”. Skate, fliperama e rock. Cresceu no universo dos desenhos e livros. Hoje, faz as duas coisas: desenha e escreve. É autora de “Martini, o Pequeno Demônio”, trilogia que terá o segundo volume publicado em breve

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