Crítica de Filme | A História da Eternidade
Bruno Giacobbo
Houve um tempo em que se dizia que no Brasil só eram produzidos dois tipos de filmes: os que retratavam a violência das favelas e os que mostravam a miséria nordestina. As exceções eram as comédias populares, gênero arraigado no gosto do espectador comum. Exagero ou não, a predominância de tais temas em nossa cinematografia é compreensível. Afinal, estes são assuntos massificados pela imprensa. Talvez faltasse, então, outra forma de abordá-los. Os arrasa-quarteirões “Tropa de Elite” I e II (2007 e 2010) e o scorsesiano “Cidade de Deus” (2002) contribuíram para mudar a percepção de como a violência é mostrada, trazendo à luz dos holofotes, por exemplo, uma discussão sobre corrupção policial e estatal. Faltava ainda um novo olhar em relação às mazelas do sertão. E é aí que entra o belo, lírico e trágico A História da Eternidade, do cineasta pernambucano Camilo Cavalcante.
Ambientada em um minúsculo lugarejo do interior, a trama intercala três histórias. Nataniel (Cláudio Jaborandy) é um pai de família machista que trabalha para sustentar o irmão, Joãozinho (Irandhir Santos), um artista sensível e mal visto na região, e os filhos, entre eles Alfonsina (Débora Ingrid), uma moça ingênua que sonha conhecer o mar. Já Querência (Marcélia Cartaxo) acabou de perder o filho pequeno. De luto, ela não sabe se deve ceder aos galanteios de Aderaldo (Leonardo França), um sanfoneiro cego. Por ultimo, há ainda Das Dores (Zezita Matos), uma dona de casa que sente saudades dos parentes que moram em São Paulo. Sua rotina será alterada pela chegada do neto, Geraldo (Maxwell Nascimento).
As características de quase todos os filmes anteriores passados no Nordeste estão presentes nesta obra. A vida dura e sofrida. A paisagem árida e miserável. Além, claro, dos mesmos tipos rudes e até caricatos. O sertanejo vivido por Jaborandy é tudo aquilo que esperamos de um autêntico cabra-macho. A diferença está nos elementos que conferem a este longa-metragem ares de uma verdadeira tragédia grega: amor, paixão, drama, heroísmo e morte. Tudo na dose certa, como se deuses, semideuses e heróis tivessem descido do Olimpo ou transportados de Creta para os confins de Pernambuco. E se a história e os personagens são ricos de detalhes interessantíssimos, o elenco reverberiza estes na potência máxima. Se não há como não se encantar com a doçura de Alfonsina, a sensibilidade de Joãozinho ou se compadecer da dor de Querência, é porque, em boa parte, ali estão Débora, Irandhir e Marcélia.
Poucos filmes iniciam com sua cena mais impactante. A História da Eternidade tem esta característica. Se a intenção de Cavalcante era fisgar o público na primeira imagem, ele conseguiu. Um longo plano sequência estático, ao som da “Oração de São Francisco”, dá a certeza de que algo muito bom vem pela frente, constatação logo confirmada por outros belos momentos como, por exemplo, a chuva que cai e cessa, repentina e naturalmente. Estas cenas, maravilhosamente fotografadas por Beto Martins, somadas a belíssima trilha sonora que mistura o som do polonês Zbigniew Preisner (Trilogia das Cores) com o de Dominguinhos, comprovam a excelência da nossa cinematografia quando esta não está compromissada apenas com o lucro. O que nos leva a outra constatação importante: Nem tudo precisa terminar em tragédia no cinema tupiniquim.
Desliguem os celulares e ótima diversão.
BEM NA FITA: Fotografia, trilha sonora, atuações, direção e, especialmente, a primeira cena. Que inicio de filme. De arrepiar.
QUEIMOU O FILME: Nada. Candidato a melhor filme brasileiro de 2015.
FICHA TÉCNICA:
Direção, roteiro e produção: Camilo Cavalcante.
Co-produção: Marcello Ludwig Maia e Stella Zimmerman.
Elenco: Cláudio Jaborandy, Débora Ingrid, Irandhir Santos, Leonardo França, Marcélia Cartaxo, Maxwell Nascimento e Zezita Matos.
Trilha Sonora: Zbigniew Preisner e Dominguinhos.
Montagem: Vânia Debbs.
Direção de Fotografia: Beto Martins.
Direção de Arte: Julia Tiemann.
Figurino: Paulo Ricardo.
País: Brasil.
Duração: 120 minutos.
Ano: 2015.