Crítica de Filme | O Uivo da Gaita

Bruno Giacobbo

Antes de mais nada, preciso fazer uma advertência. Se o amigo leitor é adepto daquela ideia convencional de que um filme deve ter muitos diálogos, alguns engraçados, uma boa dose de ação ou suspense, não custa avisar que há uma chance razoável de você não gostar de O Uivo da Gaita, a primeira parte da trilogia batizada de “Operação Sônia Silk”, idealizada por seis cabeças criativas, rodada durante duas semanas, em 2013, e lançado comercialmente somente agora. Contudo, se você acredita que cinema é muito mais do que esta breve descrição acima e anseia por novas experiências, não perca tempo e corra até a sala de projeção mais próxima de sua casa. Por sinal, infelizmente, aqui no Rio de Janeiro, ele e suas sequências, “O Rio nos pertence” e “O Fim de Uma Era”, estão em cartaz em apenas um lugar.

Poucas palavras, em pouquíssimos momentos, são balbuciadas ao longo de todos os 72 minutos de duração do filme. Em quatro instantes, para ser exatamente preciso. Um diálogo que acontece com quase meia hora de exibição, até ali esta era uma película de ruídos naturais e bastante movimento; um arremedo de conversa, um grito lancinante de dor, daqueles que só um coração partido é capaz de provocar; e a declamação, em espanhol, de uma passagem de Dom Quixote. É nesta hora que um dos personagens pergunta: “O que fazer com a imaginação?” “Deixe-a fluir”, poderia ser a resposta não pronunciada. E é isto que o público deve fazer ao assistir esta obra de arte sensorial.

O Uivo da Gaita Meio1

Consciente ou inconscientemente, voto pela segunda hipótese, O Uivo da Gaita é uma ode a beleza das realizações de Deus, onde a história dirigida por Bruno Safadi, neste caso feita para ser intuída muito mais do que compreendida com exatidão, é o que realmente menos importa. O leque de belíssimos planos da Cidade Maravilhosa, somado aos closes, enquadramentos e ângulos dos atores captados com perfeição, deixam em segundo plano a narrativa sobre o triângulo amoroso formado por um casal em crise, Jiddu Pinheiro e Mariana Ximenes, e uma linda estranha, Leandra Leal. E quem se importará com a trama diante de tamanho fascínio produzido por imagens tão luxuriosas? Será difícil que alguém se importe de verdade.

As performances, sim, afinal não há interpretações aqui, mas performances voluptuosas, de Ximenes e Leal são de enlouquecer qualquer cristão bem comportado. As meninas também são frutos das realizações de Deus, frutos, estes, muitas vezes proibidos, mas neste caso servidos de bandeja para a degustação visual. Sem querer dar spoilers ou estragar o prazer alheio, dá para afirmar que a primeira aparição delas é do mesmo nível das cenas francesas de Adèle Exarchopoulos e Lea Seydoux, em “Azul a Cor Mais Quente” (2013), só que com um caliente toque brasileiro dado pela praia como pano de fundo.

O Uivo da Gaita Meio2

Ousado, O Uivo da Gaita bebe na fonte do cinema marginal dos anos 70, do qual seu diretor pode ser considerado um herdeiro. É cinema independente de qualidade indiscutível que, tristemente, será visto por um público proporcional a quantidade de diálogos presentes na fita. No entanto, necessário em um mercado cinematográfico que, em 2015, dá claros sinais de revitalização com o lançamento de inúmeros e ótimos filmes nacionais diferentes de tudo o que o público frequentador dos multiplex está acostumado.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

FICHA TÉCNICA:

Direção e roteiro: Bruno Safadi.
Assistente de Direção: Aline X.
Elenco: Mariana Ximenes, Leandra Leal e Jiddu Pinheiro.
Produção Executiva: Rita Toledo.
Direção de Produção: Elaine Soares e Leonardo Pirovano.
Fotografia: Ivo Lopes Araújo.
Direção de Arte e Figurino: Luisa Horta.
Edição: Guto Parente e Luiz Pretti.
Som direto: Pedro Diógenes.
Desenho de Som: Edson Secco.
Música Original: Guilherme Vaz.
Design Gráfico: Tatiana Bond.
Maquiagem: Auri Mota e Keice Jhoness.
País: Brasil.
Duração: 72 minutos.
Ano: 2013.

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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