Crítica de Filme | Os Oito Odiados [#2]

Cadu Barros

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11 de janeiro de 2016

Um dia isso iria acontecer. Quentin Tarantino ganhou prestígio e fama nos anos 90 com “Cães de Aluguel” e, principalmente, “Pulp Fiction”, um filme que misturava várias referências linguísticas a clássicos do cinema com um estilo irônico e debochado, tudo recheado com muitas citações pop e trilha sonora inusitada. Essa marca do diretor se fez presente nos filmes seguintes, e a base de fãs foi crescendo ao ponto de alguns o elevarem ao posto de gênio e o compararem a mitos como Sergio Leone e Akira Kurosawa. E de fato todas as sete obras escritas e dirigidas por Tarantino até então conseguiam equilibrar exercício de estilo com conteúdo, resultando em filmes divertidos, elegantes e, por que não, ousados.

O problema é que além de muito talento Tarantino também possui um ego gigantesco, e passou a acreditar na mentira que lhe contaram. O resultado disso é este Os Oito Odiados, uma bagunça do início ao fim onde o conteúdo fica em segundo plano e a auto-referência impera. Todas as marcas da filmografia do diretor estão presentes: a narrativa não-linear dividida em capítulos, os letreiros estilizados que remetem aos faroestes clássicos, e a trilha sonora inusitada que é interrompida bruscamente em diversos momentos. Porém, trata-se de um puro exercício de estilo feito para causar impacto apenas, sem um propósito narrativo.  Se o enredo fosse intrigante, isso até poderia ser relevado, mas não é o que acontece.

>> LEIA NOSSA OUTRA CRÍTICA PARA ‘OS OITO ODIADOS’

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Por quase três horas somos obrigados a aturar diversos personagens desinteressantes e caricatos travando extensos diálogos vazios e pretensiosos. A impressão é de que toda a equipe acredita estar criando uma obra genial, um novo clássico, pois a cada frase de efeito (que na verdade acaba provocando apenas vergonha alheia) os atores parecem estar posando para as câmeras e venerando o Deus Tarantino por ter criado um roteiro tão divino. Só que não. O humor inteligente que fez de “Bastardos Inglórios” um filme delicioso, por exemplo, dá lugar aqui ao humor infantil que está na moda graças aos filmes da Marvel.

A tensão que deveria existir em Os Oito Odiados é diluída completamente, já que não nos importamos em momento algum com o destino dos personagens (na verdade sequer decoramos seus nomes). Não dá para entender, por exemplo a real motivação do protagonista vivido por Samuel L. Jackson. Será ambição? Sede de justiça? Vingança? Ou simplesmente racismo? E não adianta trancafiar vários personagens amorais e perigosos em uma cabana se suas intenções nunca ficam claras ao espectador.

Os maiores sabotados nessa empreitada acabam sendo os atores, presos a personagens sem profundidade e carisma. Nenhum deles é digno de grandes elogios. Talvez apenas Bruce Dern merecesse um prêmio por melhor atuação sentado. Mas um em especial merece todas as críticas do mundo: o canastrão Tim Roth. Ciente de que não possui talento suficiente para compor seu carrasco de maneira originalmente interessante, passa a criar uma caricatura de Christoph Waltz, premiado duas vezes com o Oscar por atuações em filmes de Tarantino. Roth copia descaradamente os trejeitos e a impostação de voz do eterno Hanz Landa, e rouba todas as atenções para si, mas no mau sentido.

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A trilha sonora de Ennio Morricone, que desta vez foi composta originalmente para o filme, destoa completamente do ritmo lento e tedioso da obra (a primeira hora é de dar sono), apostando em lindos temas épicos que nada tem a ver com o caráter intimista do conflito. E porque diabos filmar em 70 milímetros, opção da direção de fotografia que permite explorar uma maior profundidade de campo em planos gerais, se noventa por cento do longa se passa em um único ambiente fechado e escuro? Ah, sim. Novamente é porque é um filme de Tarantino, então não precisa ter uma razão clara para isso.

Mas será que a obra não tem um momento digno de nota? Sim, tem alguns, como o instante em que é revelado o segredo por trás da cabana, através de um engenhoso traveling vertical. Mas já vimos isso em Bastardos Inglórios, e o efeito já não é mais o mesmo.

Por isso é triste constatar como um dos diretores mais venerados de Hollywood se transformou em uma paródia de si mesmo, testando a paciência de seus fãs e manchando sua até então irretocável carreira. Quem sabe seja mesmo bom para o diretor fazer apenas mais dois filmes, conforme ele mesmo está fazendo questão de propagar aos sete ventos, pois se o ego dele continuar a crescer, bombas maiores podem vir à tona, e a atual base de fãs pode diminuir consideravelmente, isso se já não está diminuindo. Afinal, Os Oito Odiados dificilmente será amado por alguém.

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Faroeste
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino
Elenco: Belinda Owino, Bruce Del Castillo, Bruce Dern, Channing Tatum, Craig Stark, Dana Gourrier, Demián Bichir, Gene Jones, James Parks, Jennifer Jason Leigh, Keith Jefferson, Kurt Russell, Lee Horsley, Michael Madsen, Samuel L. Jackson, Tim Roth, Walton Goggins, Zoe Bell
Produção: Richard N. Gladstein, Shannon McIntosh, Stacey Sher
Fotografia: Robert Richardson
Montador: Fred Raskin
Trilha Sonora: Ennio Morricone
Duração: 182 min.
Ano: 2015
País: Estados Unidos
Cor: Colorido
Estreia: 07/01/2016 (Brasil)
Distribuidora: Diamond Filmes
Estúdio: Columbia Pictures / The Weinstein Company

Cadu Barros

Cineasta e jornalista, já dirigiu curtas premiados e trabalha há 10 anos em televisão. Cinéfilo desde criança, é fanático por Star Wars, e inclusive já realizou um fan film da saga. Apesar de ter clara preferência por filmes de ficção científica, fantasia e adaptações de quadrinhos, Cadu curte tudo quanto é tipo de filme, desde este seja bem-sucedido em sua proposta narrativa.
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