CRÍTICA | ‘Ferrugem’ é relevante, mas deixa proposta original em segundo plano

Bruno Giacobbo

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28 de agosto de 2018

Como qualquer pai de sua geração, uma das coisas que mais preocupam o cineasta paranaense Aly Muritiba, de 39 anos, é a segurança digital de seus filhos. Com um casal dentro de casa, um adolescente de 15 e uma menina de dez, ele está sempre atento ao que ambos estão fazendo na internet ou com quem estão conversando. Consequentemente, para alguém que trabalha com a criatividade, era natural que tal preocupação acabasse servindo de inspiração. Ganhador do Kikito de Melhor Filme no Festival de Gramado deste ano, Ferrugem é fruto destes anseios e propõe uma interessante discussão sobre as consequências do cyberbullying. Em sua história, Tati (a ótima estreante Tiffany Dopke) se vê em apuros quando um vídeo íntimo é compartilhado no grupo de mensagens da sua turma de escola. A partir daí ela terá que sobreviver a crueldade de todos aqueles que até ontem eram seus amigos.

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Dividido em duas partes, o longa se preocupa, primeiro, em mostrar como tudo aconteceu. O texto, escrito pelo diretor em parceria com a roteirista Jessica Candal, inteligentemente prepara o terreno ao retratar os jovens de hoje como dependentes do celular. Durante uma visita a um aquário, eles estão mais preocupados em filmar uns aos outros do que em observar os peixes. Ocorrido o vazamento do vídeo, a protagonista se metamorfoseia passando da alegria para a depressão. O som é usado com competência para retratar esta mudança. Cenas barulhentas se alternam com outras em que quase não ouvimos nada. É o barulho de quem ri e debocha em contraste com o silêncio de quem se fecha para o mundo. Tudo vai ficando mais escuro também. É a escuridão que nubla a alma dos humilhados. O ato inicial termina de forma catártica e nele reside quase toda a força da película de Muritiba.

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A segunda parte procura focar nas consequências de tudo o que aconteceu antes. Há uma troca de protagonismo e as câmeras se voltam para Renet (Giovanni de Lorenzi), interesse romântico de Tati e um dos suspeitos do vazamento. E ele dá conta do recado. Igualmente debutante na telona, o ator transmite a sensação de que está sofrendo. Claro que não é possível comparar os sofrimentos. São dores diferentes. O problema é que o filme perde força e as cenas em família do jovem não conseguem manter o ritmo do começo. Além disto, outros assuntos são inseridos de qualquer jeito. Qual é a responsabilidade de pais que tratam os filhos como amigos e não impõem limites? Davi (Enrique Diaz) e Raquel (Clarissa Kiste), pais de Renet, estão no centro desta discussão, só que ela é superficial. Faltou aprofundá-la ou então mostrar como o resto da turma reagiu, já que alguns bons personagens foram esquecidos.

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Em uma comparação com “Aos Teus Olhos”, que também aborda os desdobramentos de um comportamento irresponsável na internet, Ferrugem acaba tendo outra fraqueza exposta. Os roteiristas optaram por revelar o responsável pelo compartilhamento do vídeo. Está tudo lá. Esta decisão vai ao encontro do desejo de boa parte do público, que reclamara do final aberto da obra supracitada, mas esvazia a proposta original. Pouco importa quem fez o quê. Muito mais importante são as consequências e o que fazer para evitar o surgimento de novas vítimas. Contudo, frente a obviedade do desfecho escolhido, estas questões acabam ficando em segundo plano. Igualmente óbvio é que, mesmo com problemas, o filme de Aly Muritiba representa um sensível avanço em relação a sua temática dentro de nossa cinematografia e, por este motivo, merece ser visto em tela grande.

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Desliguem os celulares e boa diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Direção: Aly Muritiba
Elenco: Tiffanny Dopke, Giovanni de Lorenzi, Enrique Diaz
Distribuição: Olhar Distribuição
Data de estreia: qui, 30/08/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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