CRÍTICA | “A Odisseia de Alice”: Trata-se de uma verdadeira obra de arte corajosamente transgressiva
Bianca Moreira
Primeiro longa-metragem de Lucie Borleteau, “A Odisseia de Alice”, traz um enredo que provoca a reflexão sobre outros modos de existência, que passam pela criação, pelo prazer, pelo desejo, pelo amor e pelo erótico, através de uma autenticidade agradável aos olhos. Também retrata a solidão da vida de quem trabalha em alto mar.
A trama é guiada por Alice (Ariane Labed), uma engenheira que embarca a trabalho em um velho navio de carga, o primeiro que navegou em sua vida, deixando para trás seu namorado, Félix (Anders Danielsen Lie). A bordo, descobre que está substituindo um tripulante que acabou de morrer, e que seu primeiro amor, Gaël (Melvil Poupaud), é o comandante do navio.
Esse triângulo amoroso poderia servir para a construção de um romance romântico clássico. No entanto, Borleteau optou por abordar o tema de forma pouco óbvia.
No camarote que passa a ocupar, Alice encontra o diário do engenheiro que o ocupava. Lendo seus relatos, entre os problemas mecânicos enfrentados em seu dia-a-dia, as desilusões, as insatisfações amorosas e a melancolia, percebe um pouco de cumplicidade entre o que é descrito e a sua própria vida naquele espaço. Esse diário é uma ponta de poesia dentro de um ambiente rustico e pouco sensível.
Um dos grandes destaques do longa é a fotografia, as imagens do oceano constituem um verdadeiro show. O enquadramento, simples e sem muita inovação, valoriza os corpos dos personagens como um todo, já que sua presença é necessária na maior parte do tempo.

O filme pode ser considerado um exemplar da arte feminista por conta de sua atitude crítica. Alice é a única mulher da equipe, é marinheira e faz parte de um mundo majoritariamente masculino. A grande questão do filme não é explorada por um viés no qual uma mulher luta para conquistar seu espaço, pelo contrário, a protagonista possui sua posição conquistada e seu trabalho é devidamente reconhecido.
A posição crítica se reverbera justamente na lógica do estranhamento, nas cenas inesperadas, na medida em que se encontram no campo de desestabilização do que é considerado como normal dentro dos códigos morais e sexuais de nossa cultura.
Alice é uma mulher que não tem vergonha e nem pudores para falar sobre sua sexualidade. Durante as paradas em terra firme, assim como seus companheiros de trabalho, ela também se diverte e faz sexo casual. Possui um relacionamento aberto e opta por vivenciar suas relações de forma mais livre e menos compromissada.
O filme desvincula a noção de amor como desejo de posse física. O prazer é posto como uma necessidade humana a ser sanada, desvinculando amor e sexo. O longa também explora diferentes percepções sobre monogamia entre duas pessoas. A protagonista parece lidar bem com essa situação, já seu namorado demostra possuir um pouco mais de dificuldade e se abala frequentemente.
“A Odisseia de Alice” explora uma nova forma de ser mulher através da personagem Alice, que recusa o confinamento do lar e do casamento. Trata o sexo de forma naturalista e madura, lança um olhar diferente sobre o adultério, não coloca as pessoas que vivem suas vidas sexuais de forma mais livre como vilãs e nem as condena com um destino punitivo. Trata-se de uma verdadeira obra de arte, e sem dúvida, corajosamente transgressiva, capaz de atingir nossa subjetividade através de um enredo simples e sensível.
FICHA TÉCNICA
Bianca Moreira
Estudante de jornalismo. Apaixonada por literatura,teatro, fotografia e especialmente pela sétima arte.















































