CRÍTICA | Amar a poesia é a chave para decodificar e apreciar ‘Paterson’

Bruno Giacobbo

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20 de abril de 2017

Localizada no estado de New Jersey, Paterson é uma pequena cidade com menos de 200 mil habitantes e sem nenhuma relevância econômica ou política para história norte-americana, apesar de, ao longo dos anos, ter sido o berço de alguns cidadãos ilustres. Paterson é também o nome do personagem de Adam Driver, um motorista de ônibus que leva uma vida absolutamente pacata, com uma rotina metódica. Ele acorda sempre às 6h, levanta, toma café, vai para o trabalho, volta para casa, janta, leva seu buldogue francês para passear, bebe uma cerveja no mesmo bar, volta para casa e dorme. A cidade e o homem, ambos, em suas respectivas irrelevâncias cotidianas, se assemelham e se confundem. Nas mãos de outro cineasta, fatos tão animados poderiam parecer pouco atrativos como matéria prima de um filme. Contudo, Jim Jarmusch é o cara por trás de “Amantes Eternos”, de 2013, a obra cinematográfica sobre vampiros mais incomum, quiça, já produzida.

Paterson (idem), o longa em questão, acompanha literalmente uma semana da vida do seu protagonista. Ele começa em uma segunda e termina na segunda seguinte. Acompanhamos de perto os acontecimentos rotineiros, descritos no parágrafo acima, e somos apresentados a personagens como Laura (Golshifteh Farahani), a esposa jovem e sonhadora, ou Doc (Barry Shabaka Henley), o proprietário do bar. É com eles, quando não está dirigindo, que Paterson interage mais ou tem seus diálogos mais prolixos, embora seja um homem de pouquíssimas palavras ditas. No entanto, há um personagem ainda mais importante do que todos estes: a poesia. Sim, aqui, a poesia, um ente normalmente etéreo, ganha ares humanos e parece vivíssima. A falta de intimidade para proferir muitos vocábulos encontra seu nêmesis na hora de escrever. Esta é atividade preferida do motorista. Ele está sempre escrevendo: em casa, no ônibus, em um banco durante a pausa para o almoço. E tudo serve como inspiração. Até uma caixinha de fósforos.

Assim como Paterson, eu já tive meus momentos de escrever poesias. Nunca me inspirei em palitos de fósforo, mas tinha um ídolo como ele. O meu era Álvares de Azevedo, poeta romântico brasileiro, o dele Williams Carlos Williams, poeta modernista americano e um dos tais cidadãos ilustres que a cidade produziu. Na minha juventude, talvez este filme conversasse de forma mais intimista com o meu eu interior. Hoje, nem tanto. Não me considero alguém com alma de poeta, mas gosto de proferir e de escrever palavras com a mesma intensidade, porém de um jeito diferente de duas décadas atrás. E esta é a chave para decodificar e apreciar, total e integralmente, a película do cineasta Jarmusch: amar a poesia.

Filmes podem ser considerados poéticos por diversos motivos e elementos, por exemplo: pela delicadeza de sua história ou por um conjunto incrivelmente belo de imagens e frames. Infelizmente, não constatei estas características aqui. Sim, a trama é delicada, mas está longe de ser tocante ou acessível a todos os corações cinéfilos. Nem todo mundo vai se identificar ou se comover com a rotina do protagonista e o seu amor pela poesia. Já as imagens não são tão belas assim. Este problema não tem nenhuma relação com a maneira que o diretor filmou tudo. Seu trabalho é corretíssimo. Só que a cidade, de fato, não colabora. Excetuando algumas tomadas em uma espécie de parque, de frente para uma cachoeira, as demais são povoadas de construções cinzentas e dotadas de uma aspereza mais condizente a filmes inspirados em figuras como Joseph D. Pistone e Rubin Carter (outros dos tais cidadãos ilustres, personagens de ‘Donnie Brasco’ e ‘Hurricane: O Furacão’, de 1997 e 1999), do que a uma obra com esta proposta.

Para além desta empatia (ou não) com a poesia, há algumas coisas dignas de admiração em Paterson. A principal delas é a cumplicidade cênica entre Driver e Farahani, dois atores jovens (33 anos) e carismáticos. O norte-americano é um caso típico, destes que vemos de vez em quando em Hollywood, de profissional em franca ascensão. Em películas mais (‘Star Wars: O Despertar da Força’ e ‘Silêncio’) ou menos (‘Corações Famintos’) famosas por aqui, ele é um diamante que está sendo lapidado aos poucos. Já a iraniana chega a irritar de tão convincente na hora de fazer charminho para que o protagonista realize um de seus sonhos. Aliás, sobre isto, houve um muxoxo por aí dizendo que o roteiro falha ao, de forma machista (sic), colocar a esposa em segundo plano, negligenciando os seus sonhos em detrimento aos do marido. Aí eu pergunto: qual é o nome do filme? Em torno de quem gira toda a trama? Desta maneira, creio que houve uma escolha consciente em relação a história a ser contada e que fazer qualquer alusão ao machismo, neste caso, não passa de uma atitude meramente patética.

Desliguem os celulares e boa diversão.

TRAILER:

FOTOS:


FICHA TÉCNICA:
Distribuição: Fênix Filmes
Direção: Jim Jarmusch
Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Kara Hayward, Trevor Parham
Data de estreia: qui, 20/04/17
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2016
Duração: 113 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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