CRÍTICA | ‘Planeta dos Macacos: A Guerra’ é impecável, com belas atuações e um show de tecnologia

Claudio Dorigatti

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2 de agosto de 2017

Escrever sobre qualquer um dos filmes da sequência “Planeta dos Macacos” é um trabalho um tanto difícil por dois motivos principais: a série original de 1968, 1970, 1971, 1972 e 1973 tem sua linha de tempo muito confusa, os rumores sempre se dividiram em que nessa época escritores e roteiristas não se importaram tanto com a amarração de datas, outros rumores mencionam que existiriam mais histórias entre os filmes, avançando e retrocedendo no tempo que explicariam os desencontros de datas. O fato é que nunca teremos certeza.

CRÍTICA #2 | ‘Planeta dos Macacos: A Guerra’ mantém a tensão do início ao fim, em uma produção visualmente impressionante

O segundo motivo é que nas duas sequências há muito conteúdo por traz de uma simples história onde os macacos, por meio de um poderoso vírus, evoluem em sua capacidade cognitiva ao ponto de sua inteligência oferecer risco à “espécie dominante”, os humanos. Nesse quesito, são tratadas diretamente questões morais, científicas, políticas e na série original fortemente questões religiosas entrelaçadas às demais. A verdade é que os filmes são “máscaras” sobre a realidade humana atual (e desde sempre), as duas espécies dos filmes são caricaturas de nós mesmos, em guerra há milênios fazendo questão de não coexistir por não respeitar nossas pequenas diferenças. Acredito que esse embate complexo dentro das histórias não é compreendido, e às vezes nem percebido, pela maioria que assiste aos filmes. Mas os temas estão lá e refletem a realidade humana.

Se a sequência original foi inovadora no quesito técnico com as máscaras que até hoje surpreendem muito, a nova sequência traz todo o poder das superproduções inovando fortemente “na máscara”, que hoje é a captura de movimentos e expressões de atores reais, com destaque para o ator Andy Serkis, que interpreta César, o líder dos macacos (Andy também deu vida a Gollum na sequência de “O Senhor dos Anéis” e “King Kong”). Foi exatamente na sequência de “Planeta dos Macacos” que a tecnologia de captura deu um salto imenso e toda atuação de Andy pode ser transpassada. Essa “nova máscara” é um dos legados deixado pela franquia e abre um leque criativo gigantesco para o cinema. Mas como na sequência original, os novos filmes não só apresentam recursos técnicos inovadores, mas sim o grande embate moral, político e religioso (esse último um pouco menos que na sequência original) e é na base desse conflito que os três filmes se desenrolam.

Em “Planeta dos Macacos: A Origem” (2011), vimos o nascimento de César. Sua mãe era utilizada como cobaia em experimentos laboratoriais no desenvolvimento de uma droga contra alzheimer que aumentava consideravelmente a capacidade cognitiva, restaurando e melhorando funções cerebrais. César nasceu no laboratório e herdou as mudanças genéticas. Diversos fatores levam César a roubar os medicamentos e infectar outros macacos, iniciando a epidemia que se espalha pelo mundo. Os macacos tem imensa evolução cerebral, César fica ereto e evolui para a capacidade de fala. “A Origem” nos mostra o início da “nova espécie”, a não aceitação pelos humanos e a retirada dos macacos em busca de seu espaço. Em o “Planeta dos Macacos: O Confronto” (2014), já temos César como um grande líder e toda a sociedade dos macacos está “mais humanizada”. É exatamente essa condição “semi-humana” a causadora dos grandes conflitos. O filme nos mostra que quanto mais humano, mais conflitante é o ser. O ego, o orgulho e a sede de poder são mostrados como características humanas que os símios também estão adquirindo.

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Os três novos filmes trazem muitas referências à série original, a impressão direta é que todos envolvidos na produção se comprometeram a respeitar a obra clássica, nos nomes, fatos e temas abordados. Inclusive fechando os laços de algumas pontas abertas no clássico, explicando o futuro. No primeiro filme (A Origem) podemos ver o lançamento da espaço nave Icarus, a mesma que em 3978 cai no “planeta desconhecido” habitado por macacos inteligentes e humanos primatas. O astronauta sobrevivente, comandante George Taylor, é chamado pela macaca cientista Zira de “olhos brilhantes” por seus olhos claros. “Olhos brilhantes” também é o nome dado à mãe de César, a droga experimental deixou seus olhos com uma coloração verde muito intensa. E existem muitas outras referências. Embora existam todas essas referências à série original, a dúvida se a nova sequência explicaria a clássica, se tudo se encaixaria, sempre pairou. É a grande dúvida comum em relação à continuações dessa forma. Até o segundo filme, “O Confronto” não era possível ter certeza, embora tudo caminhasse para o desfecho conhecido do futuro de 3978. Apesar de vermos na série original que os humanos se destruíram em uma grande guerra, nunca ficou claro como tudo aconteceu e principalmente, como os macacos evoluíram. O que queríamos saber é como a sociedade dos macacos iniciou, se desenvolveu, como os conceitos dos macacos em relação aos humanos foram construídos e principalmente, como foi a decadência da sociedade humana. Com Planeta dos Macacos: A Guerra (War for the Planet of the Apes) vemos realmente que toda essa nova sequência foi escrita e filmada para explicar essas dúvidas.

E como era de se esperar, o remake “Planeta dos Macacos” de 2001, dirigido por Tim Burton, não foi levado em consideração diretamente. Contudo a tecnologia dos personagens digitais deixou a nova sequência muito mais semelhante ao filme de 2001 do que aos originais quanto aos símios. Mas isso é uma questão óbvia, já que a série original foi realizada com as impressionantes máscaras, mas são HUMANOS de máscaras. Contudo A Guerra deixa um gancho para que os símios tenham mais postura humana mesmo, o que também é interessante na história.

Já na primeira sequência de cenas, Planeta dos Macacos: A Guerra tira o fôlego do espectador. A criatividade no posicionamento e movimento da câmera que mostra a cena de forma abrangente surpreende, não é uma inovação, mas traz uma perspectiva que reforça a emoção da cena. A trama é bem construída e se desenvolve bem, porém apelos sempre existem e, nesse caso, talvez fique por conta dos casos pessoais dos dois lados das sociedades que servem de estopim para o início do fim. Não é nada que condene a história, mas certamente as diferenças entre as sociedades dos humanos e símios já é grande o suficiente para culminar em uma guerra. Vemos isso na vida real, embora sempre existam questões pessoais em guerras mesmo.

Não há atores medianos. Se nos dois primeiros filmes Andy Serkis já é um show à parte na interpretação de um macaco, que evolui pra um símio humanizado, com o avanço da tecnologia de captura de expressões faciais, a experiência em ver “Andy-César” se torna muito empolgante. Você entende perfeitamente todos os sentimentos transmitidos pelo rosto de César. Além da evolução da tecnologia, mérito do Andy que pode ser conferido nos vídeos de como os movimentos são capturados, perito em expressões faciais e corporais. Ao ver Woody Harrelson no papel do coronel temos inicialmente algumas lembranças de seus papéis engraçados, mas somente pelo rosto familiar. Elas são desfeitas rapidamente pelo ódio transmitido pelo coronel em suas ações. Já Amiah Miller pode ter parecido para muitos um apelo sentimental na história, mas o que eu senti com seu personagem foi realmente a inocência dentro da guerra, que existe em toda guerra. E claramente me fez lembrar muito da Dakota Fanning em “Guerra dos Mundos”, não só pelo estereótipo, mas pela promessa de uma grande atriz tão “nova”.

Mais uma vez as referências são inúmeras em relação à série original. É muito bom ver essa preocupação. Para quem não acompanha uma sequência obviamente é um detalhe que passa despercebido. Porém, para quem acompanha (sendo fã ou não), o esperado é uma lógica na história e homenagens, sejam como forem. E A Guerra traz isso de forma sutil em alguns casos, que só fãs perceberão, mas também de forma direta em outros casos. Os nomes apresentados, que estão no primeiro filme da série original, obviamente não se encaixam na linha do tempo, afinal o primeiro filme mostra o futuro em 3978 e aqui acontece praticamente em nossa época atual, mas soa como belas homenagens, até engraçadas pra quem gosta do mundo dos automóveis antigos.

 

Mas realmente a grande questão da história original sempre foi como houve a inversão das condições dos humanos e símios, como as sociedades inverteram seus papéis no planeta, como os humanos se tornaram primatas e os macacos em “humanizados”. A trama é contada de forma direta, sem qualquer ponta solta. Fica nítido que esse era o objetivo, explicar a evolução (e involução) das duas sociedades, tudo muito bem escrito. Uma ponta solta, que particularmente acredito ser bem-vinda, foi quanto à disseminação do “vírus símio” (fruto de um experimento humano). Em “A Origem” vimos a forma de disseminação, apresentada no epílogo, que nos apresenta a epidemia global. Em “O Confronto” o enredo se passa localmente e os sobreviventes não têm ideia do tamanho da contaminação, apenas fazem contato com outra comunidade sobrevivente. A sensação é de que os humanos foram dizimados. Apesar de em A Guerra o foco da trama ainda é local, um pequeno detalhe elimina qualquer dúvida em relação aos humanos. Se eu disser mais, é um grande spoiler.

Essa nova trilogia produziu filmes impecáveis. Contudo, A Guerra tem uma trilha sonora muito mais marcante que os demais. Marcante pela mesma melodia executada de forma diferente em cada cena, a música tema com diversas faces, às vezes quase imperceptível e sutil. Os efeitos sonoros, como toda grande produção hoje, são impressionantes e fazem você mergulhar na cena. Outro ponto interessante é a tecnologia 3D: está melhor. Nos primeiros filmes em 3D (e até recentemente), sempre tive a sensação de imagem transposta (o que na realidade é) e frequentemente dava aquela vontade de tirar os óculos. Em A Guerra isso praticamente não acontece pois a imagem está mais nítida do que nunca. A sensação de profundidade não é exagerada, poucas cenas tem algum objeto indo muito além do que precisa para impressionar. Em geral, todo o ambiente e os personagens digitais são muito convincentes. Dos pelos dos macacos à floresta, a sensação é de realidade. Contudo, o destaque mesmo fica por conta da tecnologia de captura de movimentos, que agora evoluiu muito na captura de expressões faciais. Como comentei, todos os sentimentos exprimidos pelos atores são transmitidos pelos personagens digitais.

Se eu fosse definir Planeta dos Macacos: A Guerra em uma frase, ela seria: “Responde às perguntas e conta a história de forma direta, com belas atuações e um show de tecnologia de captura”.

TRAILER:

FOTOS:


FICHA TÉCNICA:
Título original: War for the Planet of the Apes
Direção: Matt Reeves
Roteiro: Mark Bomback, Matt Reeves
Elenco: Judy Greer, Woody Harrelson, Andy Serkis, Steve Zahn, Karin Konoval, Amiah Miller, Terry Notary, Ty Olsson,
Distribuição: Fox
Data de estreia: qui, 03/08/17
País: Estados Unidos
Gênero: aventura
Ano de produção: 2016
Classificação: 14 anos

Claudio Dorigatti

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