CRÍTICA | Dobradinha Brasil-Portugal faz de ‘Praça Paris’ um dos melhores e mais tensos filmes do ano até aqui

Bruno Giacobbo

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25 de abril de 2018

Aclamado pela crítica e premiado na última edição do Festival do RioPraça Paris, novo longa-metragem da experiente cineasta Lúcia Murat, é uma inusitada mistura de drama social e thriller psicológico. Ambientado na Cidade Maravilhosa, a obra estreia justo no momento em que a intervenção federal, que visa conter os altos índices de violência que afligem os cariocas, passa por sua maior crise e as taxas de criminalidade crescem. Emoldurada por esta triste realidade, tal coincidência valoriza e eleva a níveis febris o senso de urgência em relação a história de Glória (Grace Passô) e Camila (Joana de Verona). Mulheres de origens completamente distintas, elas desenvolverão um relacionamento pautado pela empatia e pelo medo, de acordo, claro, com os dissabores das circunstâncias.

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Glória trabalha como ascensorista na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde Camila faz o seu doutorado em psicologia e, como parte de sua formação profissional, atende gratuitamente pacientes de todos os tipos. É assim que elas se conhecem. Os motivos que levam a primeira a procurar a ajuda da segunda são todos ligados à violência que faz parte do seu cotidiano, no Morro da Providência, desde a infância, quando sofria com os abusos perpetrados pelo pai. O mundo das duas é bem diferente, Portugal, terra natal da terapeuta, não é o Brasil. No entanto, o vínculo desta com a pátria que a acolheu de braços abertos não é exatamente recente e as lembranças, talvez, não sejam as melhores possíveis. Com a entrada em cena de um terceiro personagem, a empatia dará lugar ao medo.

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A dose de drama social do filme está contida em todos aqueles elementos que caracterizam o subgênero que ficou conhecido pelo nome de favela movie e tem feito tanto sucesso desde o lançamento de “Cidade de Deus”, em 2002. A realidade de uma comunidade carente carioca, pós falência das UPPs, transborda da tela. Está na história de Glória e de alguns personagens secundários como, por exemplo, Samuel (Digão Ribeiro), um mototaxista que tenta trabalhar honestamente, longe da influência do tráfico de drogas. E está ainda na cena em que a protagonista é impedida de voltar para casa devido a um tiroteio no morro. Já a carga psicológica está quase toda no arco da lusitana Camila. São muitos os instantes em que, tomada por uma paranoia febril, ela delira e o público é prazerosamente ludibriado. “Isto é verdade ou é fruto da imaginação?”, ficamos nos perguntando.

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Chamado às pressas para colaborar com a diretora no roteiro, o escritor de romances policiais Raphael Montes é o grande responsável pelos caminhos em que a trama se aventura e por acabar afastando esta de boa parte dos espectadores. A familiaridade com outras obras da nossa cinematografia, como o supracitado filme de Fernando Meirelles, seria muito mais segura em termos de bilheteria, mas nos privaria de algumas decisões importantes. Parte do ofício de um psicólogo é entrar na cabeça do paciente. Ao discutir algumas questões – movidas pelo medo, pessoas boas podem agir de forma monstruosa? – o longa sugere que precisamos imergir na realidade do outro para entendê-lo. Este mergulho é simbolizado por uma última tomada sensacional, numa elipse que conduz o público ao início de tudo.

Para além do texto recheado de nuances e da condução sempre segura de Murat, a força de Praça Paris reverbera ainda mais nas atuações da protagonista Grace Passô e da coprotagonista Joana de Verona. Existe uma máxima que diz que, às vezes, um ator é maior do que o próprio filme. Por muito pouco, não é o caso aqui. Passô encarna perfeitamente uma figura dos nossos tempos, próxima de mim, de vocês ou de seus familiares: a do cidadão vítima da violência. Como esta vai mexer com a cabeça desta pessoa? Inicialmente, não fica claro. Com o tempo, as mudanças vão acontecendo e a intérprete dá total credibilidade a tais transformações. O mesmo acontece com a bela Verona, só que num patamar abaixo. A dobradinha Brasil-Portugal tem a química de um baile onde samba e fado se alternam no salão, conferindo musicalidade a um dos melhores e mais tensos longas do ano, até aqui.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Praça Paris
Direção: Lúcia Murat
Elenco: Joana de Verona, Grace Passô, Alex Brasil
Distribuição: Imovision
Data de estreia: qui, 26/04/18
País: Portugal, Argentina, Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2017
Duração: 110 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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