CRÍTICA | ‘The Square: A Arte da Discórdia’ clama por uma sociedade menos egoísta

Bruno Giacobbo

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10 de janeiro de 2018

Em 2015, logo após descobrir que “Força Maior” (2014) estava fora da disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro, o cineasta sueco Ruben Östlund gravou um vídeo onde chorava copiosamente. Divulgado sem grandes explicações, muita gente acreditou que era uma reação natural de quem acabara de receber uma péssima notícia. Como, afora uma entrevista ou outra, ele jamais desmentiu oficialmente o fato, ainda existe quem acredite nesta história. Ali, naquele momento, o realizador mostrava que sabia, como poucos, provocar as pessoas. Aliás, seu filme em questão já fazia isto ao confrontar o público masculino retratando um personagem que, em uma situação de perigo, foge deixando mulher e filhos para trás, em um legítimo salve-se quem puder. Os anos passaram e sua nova película pode ser encarada como mais uma provocação. Só que, agora, o alvo não são os homens, mas a humanidade em geral.

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Em The Square: A Arte da Discórdia (Rutan), Christian (Claes Bang), curador de um museu de arte moderna de Estocolmo, prepara-se para o lançamento de sua próxima e provocadora atração: um quadrado pintado no centro do pátio interno da instituição. Junto deste, uma placa explica que aquele espaço é um santuário onde todos os que adentram possuem iguais direitos e responsabilidade. O problema é como chamar a atenção do público para algo, aparentemente, bastante simples. Para levar à cabo esta missão, é convocada a equipe de comunicação formada por dois jovens cheios de insights e versados nos atalhos das redes sociais. Em um primeiro momento, a peça publicitária, um vídeo onde uma criança maltrapilha é explodida dentro do tal quadrado, é um sucesso, pois viraliza na internet. Acontece que a reação dos suecos acaba sendo a pior possível e o museu começa a enfrentar uma saraivada de críticas.

Vencedor da Palma de Ouro de melhor filme, no Festival de Cannes 2017, o longa-metragem foi recebido como uma crítica ácida à chamada arte moderna. E por mais que o cineasta tenha refutado esta interpretação, ela é totalmente válida. Várias são as passagens, no decorrer do filme, que corroboram para tal versão. Logo no início, por exemplo, ao ser entrevistado por uma repórter americana, Anne (Elizabeth Moss), Cristian divaga ao tentar explicar uma declaração que deu, faz algum tempo, sobre uma concepção artística. A resposta é insatisfatória. Além desta passagem, existem outras em que instalações e performances inusitadas são mostradas. No entanto, o horizonte do longa de Östlund é maior. Ele possui um significado muito mais amplo, que passa, necessariamente, pela filosofia do quadrado, mas que não se resume a esta. E é aí que reside a provocação do autor.

Em um discurso proferido à uma plateia de privilegiados, reunidos para um coquetel no museu, Christian fala que ao aceitarmos que todos temos direitos iguais e a mesma responsabilidade, devemos parar para ouvir os outros e, se preciso, ajudá-los. Ele clama por uma sociedade menos egoísta, que não olhe tanto para o seu próprio umbigo. E o protagonista, inicialmente, aos trancos e barrancos e ainda que por reflexo, age assim. É o caso de uma cena em plena praça pública, onde o curador para um pouquinho e faz a sua parte. Porém, com o tempo, inúmeras situações parecem querer mostrar que ele está errado e, gradativamente, a levá-lo para a trilha do egoísmo. É o dedo do cineasta sueco apontado para a face da plateia, levando-a a refletir sobre sua vidinha fora das salas de cinema. Não tem como não rir. A gente forçosamente gargalha para, em seguida, cair na real.

Nos cartazes de divulgação do filme, está escrito que nunca houve uma Palma de Ouro como The Square: A Arte da Discórdia. Não sei se esta afirmação é verdadeira. Ela me parece taxativa demais, entretanto, existem poucas obras como esta hoje em dia. É uma comédia em que rimos de nós mesmos, da nossa pequinês e completa falta de noção. Em entrevista a um jornal brasileiro, Ruben Östlund disse que, se mais uma vez não for indicado ao Oscar, fará outro vídeo como aquele que viralizou três anos atrás. Eu duvido. Não só porque sua verve polemista me parece bastante criativa para repetir tal brincadeira, mas, também, por ter a convicção de que seu longa-metragem estará na disputa pela estatueta dourada.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Square
Direção: Ruben Östlund
Elenco: Claes Bang, Elisabeth Moss, Dominic West
Distribuição: Pandora Filmes
Data de estreia: qui, 04/01/18
País: Suécia, Alemanha, Dinamarca, França
Gênero: comédia dramática
Ano de produção: 2017
Duração: 142 minutos
Classificação: 14 anos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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