CRÍTICA | ‘Tinta Bruta’ é um grito de resistência em uma cidade hostil

Bruno Giacobbo

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30 de novembro de 2018

Ganhador de quatro prêmios na última edição do Festival do Rio, incluindo o Troféu Redentor de melhor filme, roteiro, ator e ator coadjuvante, Tinta Bruta conta a história de Pedro (Shico Menegat), um jovem performista que faz apresentações pela internet. Sem um emprego fixo ou formação universitária (ele largou a faculdade de Química antes de concluí-la), o protagonista ganha dinheiro através de sites onde as pessoas podem pagar para assistir estes shows. Seja em uma transmissão pública ou particular. A questão é que o filme não é só sobre isto. A sinopse não se vende bem. Pedro é gay e a película fala, principalmente, dos enormes problemas que a comunidade LGBTQ+ enfrenta na atualidade. E aí, sem esta informação, pode ser que ela atraia espectadores que não estão dispostos a ver algumas das melhores cenas de amor, entre dois homens, já feitas pelo cinema brasileiro.

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Dirigido e roteirizado pelos gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, o longa-metragem versa também sobre a necessidade de romper laços e seguir em frente. Neste sentido, Porto Alegre, que funciona quase como uma coprotagonista, ganha ares bem diferentes daqueles cantados em prosa e verso, por Kleiton & Kledir, na música “Deu pra ti”. A cidade não inspira amores e saudades; mas angustia e opressão. Da irmã de Pedro, Luiza (Guega Peixoto), uma jornalista em vias de se mudar para Salvador, ao namorado deste, Léo (Bruno Fernandes), um bailarino que corre desesperadamente atrás de uma bolsa de estudo no exterior; todos querem ir embora. Eles estão sufocados e a rotina oferece apenas pequenos alentos. No caso de Léo, o relacionamento amoroso com o personagem principal e os shows online (pintados com uma tinta neon) que passam a realizar.

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E Pedro? Ele não quer ir embora? Não, aparentemente, não, apesar de se sentir igualmente sufocado e angustiado. E mesmo que quisesse, isto seria impossível. Logo no começo do filme, há uma cena de tribunal. O jovem está sendo julgado por agressão. A quem ou porquê, ainda desconhecemos. Estas respostas só veem com o tempo, mas imaginar o que aconteceu, até termos uma explicação, torna as coisas mais interessante. E a forma como o roteiro expõe tudo tornou a personalidade do protagonista misteriosa e nebulosa: “Quem é, de fato, aquele rapaz tímido que só consegue se expressar diante de uma webcam?” “Do que ele é capaz?” “Existe um animal adormecido dentro dele?” Estas são perguntas que vão surgindo naturalmente. E neste contexto, a história contada exigia atores mais experientes, consequentemente, a dupla Shico Menegat e Bruno Fernandes deixa um pouco a desejar.

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A grande qualidade de Tinta Bruta está no combo direção e fotografia. Aquela impressão de que Porto Alegre é uma coprotagonista e as sensações de angustia, de opressão e de sufoco derivam de como Filipe Matzembacher e Marcio Reolon filmaram. Destaque para as inúmeras cenas noturnas em que Pedro e Léo andam (correm ou brigam) pelas ruas, observados pelas pessoas nos prédios em volta. Capturadas em contra-plongée, em contraste com as luzes que emanam dos apartamentos, elas são silhuetas negras. Não vemos os seus rostos, não sabemos quem são e isto intensifica a sensação de que a cidade está forçando estes personagens a romperem seus laços com ela. Há, ainda, outras decisões de direção, uma delas ligada a uma chuva. Todas precisas, assim como o ritmo que varia entre a velocidade de uma corrida e a cadência de uma dança, à medida que o filme avança para o seu fim.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Tinta Bruta
Direção: Filipe Matzembacher e Marcio Reolon
Elenco: Shico Menegat, Bruno Fernandes, Gueta Peixoto
Distribuição: Vitrine Filmes
Data de estreia: qui, 06/12/18
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 118 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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