CRÍTICA | ‘Utøya: 22 de Julho’ semeia o pânico sem mostrar a face do mal

Bruno Giacobbo

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27 de novembro de 2018

Ninguém vive em uma bolha. A Noruega possui uma das sociedades mais desenvolvidas do planeta. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) altíssimo, renda per capta elevada, número de desempregados quase nulo e zero analfabetos. Quase uma filial do Jardim do Éden, em um globo de pecadores. E, assim, seus cidadãos viviam descansados, crentes que estavam distantes das mazelas que assolam outras pessoas, entre elas a pustulenta chaga da intolerância racial que já fez tantas vítimas mundo afora. Viviam. Até a tarde do dia 22 de julho de 2011, quando o extremista Anders Bering Breivik, de 32 anos, perpetrou dois ataques terroristas separados por apenas um punhado de tempo. O primeiro, ao centro da capital Oslo, matando oito inocentes. O segundo, a ilha de Utøya, onde era realizado um acampamento de jovens ligados ao Partido Trabalhista. Só ali foram ceifadas 69 vidas. Condenado a pena máxima, ele não se arrepende de seus crimes. Já os familiares das vítimas choram até hoje.

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Dirigido pelo cineasta norueguês Erick Poppe, o longa Utøya: 22 de Julho (Utøya: 22. juli) retrata os acontecimentos desta data fatídica da forma mais difícil possível. Após uma rápida introdução e alguns cortes, utilizando pelo menos uma imagem real com o objetivo de contextualizar os espectadores, as câmeras mostram uma garota na tal ilha. Em uma aparente ‘quebra da quarta parede’, ela olha para lente e fala como se estivesse conversando com a gente. Na verdade, Kaja (Andrea Berntzen) está ao telefone com sua mãe. A conversa é sobre Emilie (Elli Osbourne), a irmã caçula. A partir deste instante, não temos mais cortes. O filme segue adiante com um enorme plano-sequência de mais de uma hora. Com a câmera na mão, seguimos os passos da protagonista. A princípio, estes são bastante tranquilos. Todos estão em paz. Comem, dão risadas e paqueram. Todavia, tudo muda com o início do ataque terrorista e os passos de outrora acabam descambando para a correria.

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Quarenta e nove minutos. Este é o tempo exato em que avistamos o terrorista pela primeira vez e, ainda assim, de muito longe. Depois disto, só o avistaremos de novo em mais um momento. Escondido, o inimigo se faz presente através dos tiros que ouvimos ao fundo. Habilmente, Poppe conseguiu semear o pânico sem mostrar a face do mal. Inúmeras vezes me peguei assustado e amedrontado. Este medo é provocado por uma mistura de urgência no modo como as cenas foram filmadas, somada as feições dos atores. Seus rostos joviais transparecem realidade e não interpretação. E conseguir extrair e captar esta sensação de um grupo tão numeroso, ainda que somente alguns tenham importância para a trama, é bem mais difícil quando a obra é composta de um único plano-sequência. Grandes planos não permitem erros. Não dá parar recomeçar de onde se errou. E se o improviso não funcionar, é necessário recomeçar do início. E aí imaginem como é complicado capturar tudo isto novamente.

A história é real, os personagens não. Utøya: 22 de Julho é baseado nos relatos dos 300 feridos e outros tantos sobreviventes. A Kaja, como vemos na telona, não existe. Não aquela menina, com aquela aparência e irmã. Todavia, é de se imaginar que em meio a tanta gente tenha tido alguém como Kaja. São em situações extremas que surgem os heróis inesperados. Gente comum que não hesita em ajudar os que estão a sua volta, mesmo que isto coloque sua própria vida em risco. A personagem vivida por Andrea Berntzen é uma destas pessoas e a atriz (uma estreante revelada em uma competição escolar) defende bem o papel. Colocar alguém sem experiência para servir de fio condutor, com uma câmera na sua cola por mais de uma hora, era uma grande responsabilidade. Poderia ter dado errado, não deu. Torcemos e rezamos ardentemente por ela. Contudo, a reposta para todos os nossos pedidos só vem nos últimos minutos e estejam prontos para um surpreendente desfecho.

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Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original:  Utøya: 22. juli
Direção:  Erick Poppe
Elenco: Andrea Berntzen, Elli Osbourne, Aleksander Holmen
Data de estreia: qui, 29/11/18
País: Noruega
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 90 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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