Resenha de livro | A dama dourada, de Anne-Marie O’Connor

Aline Khouri

Em 1903, a judia e austríaca Adele Bloch-Bauer saía de seu apartamento a fim de posar para o pintor Gustav Kimt. O artista era polêmico e conhecido por seduzir as mulheres que retratava. Naquela Viena pré-guerra, não era de bom tom que as mulheres se aproximassem do artista que também colocava em suas pinturas uma forte carga de erotismo feminino. Anos depois, com o advento da Segunda Guerra Mundial, o retrato de Adele, que fora encomendado pelo seu marido Ferdinand, seria confiscado pelos nazistas, tornando-se um dos maiores patrimônios artísticos da Áustria. Esse panorama só é alterado posteriormente quando Maria Altmann, sobrinha de Adele, inicia uma luta para recuperar o que pertencia a sua família.
A trajetória desse retrato é exposta pela jornalista norte-americana Anne-Marie O’Connor na obra A dama dourada: a extraordinária história da obra-prima de Gustav Kimt, retrato de Adele Bloch-Bauer. Interessada na criação e destino de obras de arte, Anne faz um livro-reportagem de fôlego sobre o retrato, porém não apenas isso. A obra se dedica também a situar o retrato e os personagens dentro dos contextos do pré-guerra e pós-guerra de forma instigante, repleta de informações e histórias, com uma linguagem precisa e, ao mesmo tempo, encantadora.
Na primeira parte do livro, alternam-se as biografias de Gustav Kimt e Adele Bloch-Bauer e o leitor é imerso na Viena de meados e do final do século XIX na qual os dois personagens nasciam (Klimt em 1862 e Adele em 1881). Em seguida, é mostrado um panorama da Segunda Guerra Mundial norteado pelo viés da apropriação das obras de arte pelos nazistas e as histórias dos descendentes da família Bloch-Bauer e diversos personagens. Finaliza a obra o trabalho empreendido por Maria Altmann e do seu advogado Randol Schoenberg para reconquistar a posse do retrato e de outras pinturas feitas por Klimt.
Gustav Klimt cresceu paupérrimo, era filho de imigrantes e seu pai trabalhava como gravador de ouro. Esperava-se que ele seguisse o mesmo caminho até que aos 14 anos o jovem entrou para a Escola de Artes Aplicadas de Viena e a partir daquele momento enveredou pela carreira artística. Um dos fundadores do movimento secessionista – que queria romper com a arte acadêmica e introduzir o modernismo – o talento de Klimt era cada vez mais reconhecido, porém ele retratava a sensualidade feminina em uma sociedade na qual isso era condenável.  “Numa época em que a sensualidade feminina era repelida como aberração ou histeria necessitada de tratamento, a linha elegantemente erótica dos desenhos de KIimt, mais comentados do que vistos, deixava claro que ele compreendia os desejos sexuais das mulheres”, escreve O’Connor.
Muito se especulava sobre as conquistas amorosas de Klimt e quando o artista iniciou os esboços para o retrato que iria pintar de Adele Bloch-Bauer ambos não saíram imunes. Klimt também pintou um segundo retrato de Adele em 1912.

Segundo retrato de Adele por Gustav Klimt

Segundo retrato de Adele por Gustav Klimt


Não se sabe se houve um envolvimento amoroso entre o pintor e Adele que era casada com um industrial do açúcar, Ferdinand Bloch. Em uma sociedade que possuía pressupostos de qual era o papel de uma mulher, Adele era considerada boêmia. Sofreu sucessivos abortos e um bebê havia morrido ao nascer. Na época, ser uma mulher casada e sem filhos era algo catastrófico, pois a identidade das mulheres ligava-se essencialmente à maternidade. Com o retrato, Adele e Ferdinand transformaram-se em parceiros da Secessão. Bastante envolvida com arte, Adele logo seria um dos membros de uma elite que promovia salões que se notabilizam pela presença de intelectuais e artistas vienenses. Entretanto, mulheres que fugiam dos padrões eram consideradas degeneradas em uma Viena governada por forças opostas. De um lado, havia artistas e intelectuais que traçavam novos caminhos e de outro uma sociedade conservadora e uma ascensão do antissemitismo.
maria_altman

Maria Altmann


Mais tarde, os nazistas iriam roubar o retrato de Adele e outros trabalhos que a família possuía de KIimt além de uma vasta quantidade de obras de arte. Estima-se que até 1937, mais de 16 mil obras foram confiscadas e vendidas pelo partido nazista com o argumento de que era preciso limpar Viena da chamada arte “degenerada”, termo em voga na época, influenciada pelos judeus. As obras de arte que pertenciam aos Bloch-Bauer só foram devolvidas à família em 2006, após oito anos de disputa com o governo austríaco engendrados por Maria Altmann (que fugira dos nazistas com seu marido Fritz) e por seu advogado Randol Schoenberg.Em A dama dourada é notável o trabalho investigativo e minucioso empreendido pela jornalista Anne O’Connor. O livro é excelente, elucidativo e sensível além de trazer mais uma perspectiva a respeito do Holocausto, dessa vez por meio de obras de arte. Faltam fotografias e imagens da família Bloch-Bauer e de algumas das obras citadas, mas esse é apenas um detalhe.
Ficha técnica
Título: A dama dourada:  a extraordinária história da obra-prima de Gustav Kimt, retrato de Adele Bloch-Bauer
Autora: Anne-Marie O’Connor
Tradução: Mario Pontes
Editora: José Olympio
Ano: 2015
Especificações: Brochura, 476 páginas

Aline Khouri

Jornalista, com especialização em Cultura. Adora ler e escrever sobre pessoas e assuntos culturais, especialmente Literatura, Cinema e Teatro.

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