Baco Exu do Blues expõe o medo de amar em ‘QVVJFA?’
Cadu Costa
Recentemente, o rapper Baco Exu do Blues fez o lançamento do seu aclamado novo álbum ‘QVVJFA?’. “Quantas vezes você já foi amado?” é o sucessor de “Bluesman”, que foi premiado no festival de Cannes em 2019. O disco conta com a colaboração de Gloria Groove e Muse Maya, além da participação de Gal Costa e Vinícius de Moraes por meio de samples, trechos de Os Originais do Samba, Batatinha e áudios de Ravi Lobo (Rap Nova Era), de JF e Polêmico (Banda O Metrô) e de Leandro Ramos. E o que podemos dizer mais que já não foi dito por aí? Vem que o ULTRAVERSO te conta!
O protagonista
O baiano de Salvador, Diogo Moncorvo, nome verdadeiro de Baco Exu do Blues, sempre foi conhecido por unir relevância social a temas do cotidiano como amor, afeto e sexo. Por meio de suas canções, sempre questionou o significado das relações. E com isso, conquistou um grande número de fãs pela profundidade de suas letras aliadas a uma sonoridade estilosa com elementos de rap, blues, jazz e soul.
Os álbuns “Esú”, de 2017, e “Bluesman”, de 2018, o elevaram à posição de um artista de notório reconhecimento crítico e comercial. Sua sensibilidade negro-nordestina conquistou fama internacional quando o clipe de “Bluesman” venceu o festival de publicidade de Cannes, passando por cima dos americanos Beyoncé e Jay-Z. O aguardado álbum “Bacanal” segue arquivado mas em 2020, trancado em casa, lançou o EP “Não Tem Bacanal na Quarentena”.
- Ludmilla revisita MC Beyoncé em ‘Back To Me’
- Poliglota, Anitta vira ganha o mundo em ‘Versions of Me’
- Daniel Johns ressurge brilhante em ‘FutureNever’
O que Baco Exu do Blues nos apresenta em QVVJFA?
No entanto, o vigor dos discos iniciais retorna em ‘QVVJFA?, quando vemos um Baco mais maduro e com questões muito relevantes, mas sem querer definir soluções. O disco já abre com uma frase forte “Eu sinto tanta raiva que amar parece errado” na primeira faixa “Sinto Tanta Raiva”.
Aliás, toda a narrativa do álbum é importante principalmente se a pergunta que dá nome ao disco for direcionada para as questões raciais. Em entrevista recente, Baco chegou a declarar que “era absurda a diferença das respostas das pessoas pretas das pessoas brancas quando se pergunta quantas vezes foi amado”.
Seja como for, as 12 músicas de QVVJFA? dialogam com o amor preto, com a questão de se amar mais, de ser mais confiante. Canções como “Dois Amores”, “20 Ligações” e “Mulheres Grandes” são destaques disso. “Samba em Paris”, com Glória Groove, e “Sei Partir, com Muse Maya, abordam romance, tesão e desprendimento como peças fundamentais da construção das relações contemporâneas.
Discutindo também a hipersexualização do corpo preto
Em “Autoestima”, Baco é direto: “Foram 25 anos pra eu me achar lindo / Sempre tive o mesmo rosto, a moda que mudou de gosto / E agora querem que eu entenda seu afeto repentino / Eu só tô tentando achar a autoestima que roubaram de mim“.
Com esses versos, não há dúvidas que o artista discute sobre o fortalecimento do estereótipo de beleza no homem negro que só aparece quando tem um corpo forte e definido como o de Baco agora. Lembrando que ele era gordinho há pouco tempo atrás mas quando descobriram que ele estava forte, criou-se uma nova imagem de hipersexualização do seu corpo preto.
Tanto que em “Lágrimas”, com samples de Gal Costa, ele se questiona: “Tudo que me falam sobre esse tal de amor me assusta“. Gal aparece com fragmentos retirados de “Lágrimas Negras” (1974), música de Jorge Mautner gravada por ela. O restante de “QVVJFA?” segue a linha de amor e ódio como “Inimigos”, faixa com samples da música “Tenha Fé, Pois Amanhã um Lindo Dia Vai Nascer”, gravada pelo grupo Originais do Samba. Nela, há o confronto com o racismo em versos como “Atacaram meu povo primeiro/ Eu sou a resposta/ Seu novo inimigo” e a violência política em “Acham que me cercaram/ Mas não sinto o perigo/ Só cheiro de medo e de inimigos mortos“.
Conclusão
A impressão é de que em QVVJFA? há um Baco ainda mais humanizado, com suas fragilidades e dores expostas, contando sua história. Ao final, tudo é sobre amor – ou sobre a falta dele. Em entrevista recente a Zeca Camargo, ele falou sobre o sentimento do disco:
“A questão mais pura desse álbum é como o amor foi embranquecido com o tempo. A palavra amor e a forma como as pessoas colocaram essa palavra no mundo, ela exclui os negros pouco a pouco para o canto. A falta de representatividade em diversos setores muda o sentimento entre os pretos. Quando vamos ver isso em filmes, livros, novelas, publicidade, fazem questão de colocar que esse não é nosso lugar. Não é nosso rosto que vai ser o bom pai, bom marido, a boa mulher, qualquer coisa do tipo. Parece que não foi feito pra gente. Então, a proposta é criar uma nova forma de amar entre os nossos e realizar isso além dos nossos traumas e feridas que não foram criadas por nós“.
Por fim, o amor que Baco Exu do Blues canta em ‘QVVJFA?’ é importante demais pra galera preta. O afeto do homem preto e com o homem preto. O afeto com as mulheres pretas. O amor entre pessoas pretas. É como se o ódio fosse sim necessário pois ele movimenta as pessoas, mas o amor cura. E a falta dele dói.
Aliás, vai comprar algo na Amazon? Então apoie o ULTRAVERSO comprando pelo nosso link: https://amzn.to/3mj4gJa.
Nesse sentido, não deixe também de acompanhar o UltraCast, o podcast do Ultraverso:
https://app.orelo.cc/uA26
https://spoti.fi/3t8giu7
Enfim, ouça o novo álbum de Baco Exu do Blues, ‘QVVJFA?’
Cadu Costa
Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.















































