BKK0Y8 TRUE ROMANCE (1993) CHRISTIAN SLATER, PATRICIA ARQUETTE TRR 088

BAÚ DO BLAH! | ‘Amor à Queima Roupa’ (1993)

Bruno Giacobbo

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22 de março de 2019

Quando falo que sou fã do Quentin Tarantino, quase sempre, as pessoas me perguntam: “De qual película dele você mais gosta?” Antes que eu possa responder, algumas arriscam: “Aposto que seu favorito é Pulp Fiction”. É claro que eu sei que nove entre dez fãs do ex-balconista de videolocadora que virou o cineasta mais pop dos últimos 25 anos tem as aventuras de Vincent Vega, Mia Wallace e Jules Winnfield como o seu filme de cabeceira. Por isto mesmo, geralmente, deparo-me com uma reação de surpresa ou decepção do meu interlocutor quando respondo em alto e bom som: Amor à Queima-Roupa (True Romance). E o espanto faz todo sentido, uma vez que muita gente nunca ouviu falar deste longa-metragem ou, quando ouviu, rebate dizendo que, na verdade, ele foi dirigido por Tony Scott (o finado irmão de Ridley Scott). Sim, dirigido, mas o roteiro é do bom e velho Taranta.

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Lançado em 1993, apesar das críticas positivas e da comparação com “Bonnie e Clyde” (1967), de Arthur Penn, ele não foi um sucesso imediato de público. Sua fama veio mais tarde, à medida que foi ganhando status de cult. Clarence Worley (Christian Slater) é um balconista de uma loja de quadrinhos que, todo ano, comemora seu aniversário vendo filmes de kung fu no cinema. A programação da vez inclui três, e não um, longas do astro Sonny Chiba. Uma vez dentro do sala, ele encontra com Alabama Whitman (Patrícia Arquette). Na verdade, é ela que o “encontra” ao derrubar um balde cheio de pipoca em seu colo. A química é imediata, dali eles partem para um pedaço de torta e para uma noite de amor. A revelação de que Alabama é garota de programa e foi contratada por Lance, patrão de Clarence, só torna tudo mais excitante.

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Histórias de homens que se apaixonam por garotas de programa não são novas. Eu já tive uma quedinha por uma. No cinema, elas já foram encenadas antes. “Uma Linda Mulher”, de 1990, mostra o amor de Edward e Vivian. Só que o longa de Garry Marshall segue o ritmo da vida e constrói este relacionamento de forma crível. É claro que isto não cabia neste roteiro. O amor verdadeiro (o nome da obra em inglês) acontece, literalmente, da noite para o dia. Na manhã seguinte, a dupla aparece saindo da prefeitura de Detroit casada. E é claro, também, que esta história não pararia por aí. Após o desenlace, eles se deparam com antagonistas terríveis que não os deixarão em paz: Drexl Spivey (Gary Oldman), o cafetão branco de Alabama que acredita ser negro, e o mafioso siciliano Don Vincenzo Coccotti (Christopher Walken).

Até aqueles que não são fãs de Tarantino reconhecem o talento deste para criar personagens e escrever diálogos. Aqui, as duas coisas se multiplicam em profusão ao longo de duas horas de filme. Além do tipos já citados, temos um maconheiro que vive deitado no sofá, interpretado por Brad Pitt, um produtor de Hollywood que só faz filmes de guerra, Saul Rubinek, um capanga de Coccotti, James Gandfolfini, que, hoje, soa como uma premonição de Tony Soprano, o maior papel da carreira do ator, o policial esquentado vivido pelo saudoso Chris Penn e o não menos saudoso Dennis Hopper, como Clifford Worley, pai do protagonista. E é este último, nos extras do DVD lançado pelo selo Obras-Primas, aqui no Brasil, que define a tônica de todas estas participações coadjuvantes, nenhuma com um grande tempo de tela: são as melhores pequenas atuações de um grupo de grandes atores.

E os diálogos? Eles são igualmente numerosos e ótimos. Os proferidos pela boca nervosa de Clarence, às vezes, quase monólogos, são excelentes. Logo no início, em um bar escuro, ele fala para uma garota sobre sua paixão por Elvis Presley. Meio ébrio, confessa que se tivesse que fazer amor com um homem, o escolhido seria o Rei do Rock. No entanto, nada supera o embate de nove minutos entre Don Vicenzo e Clifford. Amarrado, torturado, o segundo não se curva e se recusa a revelar o paradeiro do filho. Sabendo que seu destino está traçado, ele desafia o siciliano contando uma história sobre como a Sicília foi conquistada pelos mouros e que por este motivo os sicilianos possuem sangue negro. Qualquer um que já tenha visto um filme de máfia sabe que os italianos têm fama de serem racistas. O resultado é explosivo, sanguinolento e engraçadíssimo. Walken e Hopper tiveram que decorar, cada um, três páginas de diálogos e só improvisaram uma vez. As palavras são Tarantino em sua essência e ganhando vida através de dois monstros da história de Hollywood.

Antes de cineasta, Tarantino é um escritor de mão cheia. Foi desta forma, não custa lembrar, que ele venceu duas vezes o Oscar. Para mim, este é um dos seus melhores roteiros e ele apenas não o dirigiu porque, assim como ocorreu com “Assassinos por Natureza”, de 1994, filmado por Oliver Stone, reza a lenda, ele o vendeu para ter dinheiro e poder dirigir o aclamado “Cães de Aluguel” (1992). E sabem de uma coisa? Neste caso específico, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. O final rodado por Tony Scott é bastante diferente do imaginado e escrito pelo autor. Segundo o próprio diretor, esta foi a única mudança em relação ao texto original. Para ele, depois de testemunhar esta inusitada história de amor, o público não aceitaria um desfecho em que o casal não vencesse. Como público, antes mesmo de crítico, sou forçado a concordar. Nem todos os filmes pedem um final feliz, mas este pedia. Outro mérito da direção foi imprimir a mesma agilidade de seus trabalhos anteriores.

Se vocês já viram este filme devem estar pesando que o escriba aqui está esquecendo de alguma coisa. Não mesmo, eu só fiz questão de deixar para o final. Em mais uma pequena grande atuação, Val Kilmer encarna Elvis. Ele é, digamos, uma espécie de grilo falante. Sem mostrar o rosto, aparece apenas para o protagonista e o incentiva a cometer as maiores loucuras. É genial. Com trilha sonora de Hans Zimmer, que embala maravilhosamente esta viagem lisérgica, Amor à Queima-Roupa é a história mais pessoal de Quentin Tarantino, uma vez que é impossível não associar o balconista de loja de quadrinhos que vê filmes de kung fu com o ex-balconista de videolocadora. Em seus sonhos mais malucos, ele desejou fazer tudo o que Clarence Worley e Alabama Whiteman fizeram. Contudo, diante da impossibilidade ou da falta de coragem, rascunhou seus devaneios e nos presenteou com esta obra-prima. Obrigado!

Desliguem seus celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: True Romance
Direção: Tony Scott
Elenco: Christian Slater, Patricia Arquette, Dennis Hopper, Christopher Walken, Michael Rapaport Gary Oldman, James Gandolfini, Chris Penn, Saul Rubinek, Brad Pitt, Val Kilmer
Distribuição: Warner Bros Pictures
País: Estados Unidos
Gênero: drama, romance, policial, suspense, ação
Ano de produção: 1993
Duração: 121 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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