CRÍTICA | Raiz do samba e legado da cultura afrodescendente estão presentes no documentário ‘Clementina’

Giovanna Landucci

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18 de outubro de 2018

De onde nasceu o samba? Dos guetos, dos barracões, o negro escravo precisava de algo para se distrair e para manter-se firme, para se fortalecer. O samba, os jongos, o caxambu, a dança, a musica, a capoeira e a tradição de culto aos Orixás da Umbanda e Candomblé foram criados assim, da necessidade do negro, do alívio do escravo. Os senhores de engenho ouviam ao longe essa “festa” e não percebiam que era isso o que mantinha a fibra de cada um deles.

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Através do documentário Clementina, de Ana Rieper, que elaborou roteiro e dirigiu o longa, você terá as respostas e conhecerá a trajetória de uma das sambistas mais importantes do legado de raiz afrodescendente do Brasil. O filme, que será exibido na 42ª Mostra de Cinema de São Paulo, mistura entrevistas já produzidas de outras décadas com gravações atuais, e nessa levada de mistura de cores com tomadas em preto e branco, câmeras super oito com digital, conta exatamente como tudo começou.

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Neta de escravos, Clementina de Jesus ficou reconhecida dentro das comunidades do samba somente aos 63 anos por ter sido revelada tardiamente. Mas foi participante do samba de Portela, Mangueira e Rosas de Ouro. Foi parceira de gente grande, como Paulinho da Viola, Nelson Sargento,Elton Medeiros e Tantinho da Mangueira, e dona de uma grande voz, que foi precursora de todo esse legado que conhecemos hoje. As escolas de samba nasceram da mistura de tudo isso, da dança, da arte, da música e representam a cultura da diáspora negra.

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Devota de são Jorge, Nossa Senhora da Penha e Nossa Senhora da Glória, Clementina estava sempre na Taberna da Glória. Se intitulava Católica Apostólica Romana, mas, mesmo não crendo na mesma fé do negro, de seus antepassados e do culto aos Orixás e Encantados, na Encantaria, na Umbanda e no Candomblé, respeitava muito o culto (faço aqui uma referência a Pierre Verger, do qual esse documentário consegui extrair bastante, não somente nas falas de Clementina, mas também na forma como foi construído, remetendo diretamente ao “Mensageiro Entre Dois Mundos”, que faz também uma grande alusão à cultura africana e à raiz que nosso país carrega).

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O filme em formato de documentário tem fotografia e direção de arte de Tiago Scorza, que soube utilizar muito bem o P&B presente nas partes com entrevistas de Clementina e outros artistas, contrastando com os takes atuais, em uma mescla harmoniosa que não causa quebras bruscas. A música fica por conta desses tomadas de gravações ao vivo feitas com a protagonista, que, de maneira maravilhosa, se unem à construção bem elaborada da película, inclusive, porque há a mistura de canções tradicionais adaptadas por Clementina de Jesus, jongos e sambas que já se tornaram patrimônio nacional pela tradição que carregam.

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Clementina passa por sua casa, visita seus netos, fala como ela era em família, como ela era como sambista, conversa e traz depoimentos de amigos do samba, e com pessoas que fizeram junção de material e pesquisas sobre esse fenômeno. A  mãe dela era rezadeira e cantora de jongos. Com ela, Clementina conheceu toda a riqueza do repertório que a fez sambista e aprendeu a cozinhar seu prato preferido: a feijoada. Herminio Bello de Carvalho e Luiz Antonio Simas revelam não somente detalhes da vida dela, mas também fatos históricos sobre o Vale do Paraíba e Valença, regiões importante para a época da escravidão e berço dessa raiz negra. Tantinho da Mangueira conta como ela construía seus versos, que suas melodias e letras tinham gingado próprio.

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Trata-se de um grande acervo elaborado dentro de um documentário. Através da telona, o espectador fará uma viagem no tempo através da música e da história da sambista, que traz um olhar sobre sua trajetória nunca antes visto. A cantora, compositora e interprete nascida em 1901 veio a falecer em 1987, deixando um legado de história, arte e boa música, sendo considerada um elo entre a cultura brasileira e as raízes africanas. Um batuque cheio de balanço, com maravilhosos arranjos, muitos deles podendo ser contemplados em Clementina, que nos leva ao profundo mundo de Quelé, Benguelê, Bantu e muito mais. O filme revela uma forte ligação com o sagrado religioso e explora a parte histórica desse inicio do cancioneiro brasileiro. Esta senhora foi marcada na história da MPB por sua voz excepcional, que trazia alegria, mas com a forte potência do drama vivido pelo negro.

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Clementina será exibido nesta sexta-feira (19), na 42ª Mostra de Cinema de São Paulo, na Reserva Cultural (Sala 1), às 20h; no sábado (20), no Espaço Itaú Augusta (anexo 4), às 15h45; e no dia 25/10, Espaço Itaú Frei Caneca (sala 4), às 16h10. Imperdível!

*Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

::: FICHA TÉCNICA

Direção: Ana Rieper
Roteiro: Ana Rieper
Produção: Mariana Marinho
Distribuição: Dona Rosa Filmes
Gênero: documentário
Duração: 75 minutos
Ano: 2018
Classificação: a definir

Giovanna Landucci

Publicitaria de formação, sempre gostei de escrever. Apaixonada por filmes e séries, sim, posso ser considerada seriemaníaca, pois o que eu mais gosto de fazer é maratonar! Sou geek principalmente quando falamos de Marvel e DC. Ariana incontestável, acho que essa citação de Clarice Lispector me define "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar." Ah, como é de se notar pela citação, gosto de livros e poesia também.
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