CRÍTICA | ‘O Grande Circo Místico’ não corresponde à expectativa de um indicado ao Oscar

Giovanna Landucci

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30 de outubro de 2018

O Grande Circo Místico é uma obra da literatura, um poema em formato de crônica que conta a história das cinco gerações donas de um circo que, no inicio é aclamado, mas, no final, se torna decadente. A poesia de Jorge de Lima (1893-1953) é uma das preferidas do diretor do longa-metragem Carlos José Fontes Diegues, mais conhecido por Cacá Diegues, que se baseou nela para estruturar o filme escolhido para concorrer a uma das cinco vagas na categoria de melhor filme estrangeiro do Oscar 2019.

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O poema

“O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps – resolveu que seu filho também fosse médico, mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes, com ela se casou, fundando a dinastia de circo Kniepsde que tanto se tem ocupado a imprensa.

Charlote, filha de Frederico, se casou com o clown,de que nasceram Marie e Oto.

E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora que tinha no ventre um santo tatuado.

A filha de Lily Braun – a tatuada no ventre quis entrar para um convento,mas Oto Frederico Knieps não atendeu, e Margarete continuou a dinastia do circo de que tanto se tem ocupado a imprensa.

Então, Margarete tatuou o corpo , sofrendo muito por amor de Deus,pois gravou em sua pele róseaa Via-Sacra do Senhor dos Passos.

E nenhum tigre a ofendeu jamais; e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos,quando ela entrava nua pela jaula adentro, chorava como um recém-nascido.

Seu esposo – o trapezista Ludwig – nunca mais a pôde amar, pois as gravuras sagradas afastavam a pele dela o desejo dele.

Então, o boxeur Rudolf que era ateu e era homem fera derrubou Margarete e a violou.

Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.

Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps.

Mas o maior milagre são as suas virgindades em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado; são as suas levitações que a platéia pensa ser truque; é a sua pureza em que ninguém acredita; são as suas mágicas que os simples dizem que há o diabo;

Mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos.

Marie e Helene se apresentam nuas, dançam no arame e deslocam de tal forma os membros que parece que os membros não são delas.

A plateia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.

Marie e Helene se repartem todas, se distribuem pelos homens cínicos, mas ninguém vê as almas que elas conservam puras.

E quando atiram os membros para a visão dos homens, atiram a alma para a visão de Deus.

Com a verdadeira história do grande circo Knieps muito pouco se tem ocupado a imprensa.”

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Foto: H2O Filmes / Divulgação

Falta beleza nas composições cenográfica e artística

A partir dessa crônica contada em versos, posso dizer que a adaptação para as telonas foi uma composição lúdica e artística que não agradará a todos. O formato da filmagem, as imagens “estouradas” em tela por planos muito fechados, ao invés de gerar proximidade, fazem com que o espectador não consiga viajar através dos detalhes. A utilização de luz e sombra mal empregadas pelo diretor, trazem um ar de que o ator estava no ângulo errado no momento em que o take da cena foi feito, pois a luz projetada cobre meio rosto, não de uma forma bonita e delicada, mas brusca e antiquada. Os planos de câmera muitas vezes fazem com que o elemento que está em segundo plano fique embaçado e nunca parece ser algo proposital que traga algum elemento para aquela projeção.

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Cenas de nudez gratuitas e o grande erotismo envolvidos pelo magnetismo do mundo circense para enfatizar os nascimentos dos filhos do conto acima relembram as famosas “pornochanchadas” brasileiras e parecem, apesar de tentar fazer a contextualização para as crianças nascerem, não encaixar na trama, que traz um ar, muitas vezes, surrealista e que tenta remeter a uma expressão poética. O final é completamente lúdico, sensorial, artístico, e que parece misturar sonho e realidade sem saber exatamente o que o autor quis dizer com ele, pois não se encaixa nos demais tipos de exploração de sentidos que Cacá tenta encenar. A arte de O Grande Circo Místico lembra  diretamente a de peças teatrais e, com certeza, daria mais certo em uma minissérie, como a Globo já elaborou algumas vezes.

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Foto: H2O Filmes / Divulgação

Boas atuações ajudam, mas não salvam o arrastado roteiro

Há alguns atores que salvam a trama: Bruna Linzmeyer, que interpreta Sherazade (quando trabalha em um cabaré), Beatriz (nome artístico que escolheu) ou Agnes (nome verdadeiro que nunca achou poético), dançarina do circo, e Rafael Lozano, que faz Fred, por quem ela se apaixona, em seus momentos de dança e contorcionismo, fazem um ótimo trabalho, relembrando a personagem que fez em “Meu Pedacinho de Chão”. Jesuíta Barbosa, que interpreta um mestre de cerimônias circenses que nunca envelhece, e Mariana Ximenes, que nos momentos de decadência de sua personagem, com o auxilio do bom uso de maquiagem e figurino (que revelam um quê de Nicole Kidman em “Destroyer”, seu último personagem), também se destacam. Por fim, ouvir novamente a atriz Luíza Mariani (Todas as Canções de Amor) cantando em um bar onde ela conhece o personagem de Juliano Cazarré, é uma delícia.

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A história se inicia no ano de 1910 e termina em meados do século XXI, fazendo uma bela viagem entre as épocas, vestimentas e costumes. A coprodução entre Brasil, Portugal e França demonstra, muitas vezes, uma metamorfose negativa e um looping constante entre boas e más atuações, boa e má adaptação de roteiro para cinema, quebras bruscas de contextualizações e uma junção de muitos elementos, muitos atores (alguns deles muito mal aproveitados com participações bem pequenas) e muita informação dividida em vários atos carregados de drama, que fazem o espectador se perguntar quando e como isso tudo vai acabar.

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Foto: H2O Filmes / Divulgação

O Grande Circo Místico traz um roteiro arrastado, que funcionaria muito bem se cortado em pedaços deixando suspense ao final de cada capítulo e onde as divisões em atos, feitas pela demarcação dos anos se passando, funcionariam bem melhor. Ao final, acredito que o cinéfilo ficará com a pergunta se esta foi realmente a melhor escolha para concorrer a vaga do Oscar. Se você viu Marcos Frota na lista do elenco e espera vê-lo atuando novamente, não se iluda, ele faz apenas uma pequena aparição, uma ponta como barman, no bar em que Oto conhece sua amada, pois, provavelmente, o ator só participou da direção artística de circo nos sets de filmagem. Veja os horários de exibição na Mostra de SP.

*Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: O Grande Circo Místico
Direção: Cacá Diegues
Elenco: Mariana Ximenes, Jesuíta Barbosa, Bruna Linzmeyer, Vincent Cassel, Nuno Lopes
Distribuição: H2O
Data de estreia: qui, 15/11/18
País: Brasil, Portugal, França
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Classificação: 16 anos

Giovanna Landucci

Publicitaria de formação, sempre gostei de escrever. Apaixonada por filmes e séries, sim, posso ser considerada seriemaníaca, pois o que eu mais gosto de fazer é maratonar! Sou geek principalmente quando falamos de Marvel e DC. Ariana incontestável, acho que essa citação de Clarice Lispector me define "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar." Ah, como é de se notar pela citação, gosto de livros e poesia também.
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