incêndio na cinemateca brasileira

A tragédia anunciada do incêndio na Cinemateca Brasileira

Wilson Spiler

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30 de julho de 2021

Um galpão da Cinemateca Brasileira, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, foi atingido por um incêndio na noite desta quinta-feira (29). O fogo começou em uma das salas de acervo histórico de filmes que fica no primeiro andar. Lá também fica o acervo de filmes entre 1920 e 1940 e uma das salas de arquivo impresso.

No prédio, de acordo com o Jornal Nacional, ficavam gravados um milhão de documentos da antiga Embrafilme. Objetos como roteiros, artigos em papel, cópias de filmes e documentos antigos. Alguns tinham mais de 100 anos e seriam usados na montagem de um museu sobre o cinema brasileiro.

Outro galpão da Cinemateca Brasileira, ao lado da sede, na Vila Mariana, já havia sido atingido por um incêndio em 2016, destruindo cerca de 500 obras.

Risco já havia sido alertada

Em entrevista à Globo News, Francisco Campera, diretor da Fundação Roquette Pinto, ex-gestor da Cinemateca, afirmou que “perdeu-se 4 toneladas de documentação da história do cinema brasileiro. Toda a documentação do Instituto Nacional de Cinema, da década de 60, até hoje da Secretaria Especial de Cultura, passando pela Embrafilme e pela Concine. Há também cópias de filmes, mas que já estavam em estado pior de conservação”.

Campera lamentou a situação e revelou que, ao entregar a Cinemateca ao governo, em agosto do ano passado, prestou depoimento ao Ministério Público Federal de que “era uma tragédia anunciada“.

Isso porque o material do galpão é de alta combustão. “O último incêndio anterior a esse foi em 2016 e tinha 13 pessoas do mais alto nível trabalhando de segunda a segunda e mesmo assim teve o incêndio. Porque precisa do monitoramento humano. Eu avisei aos funcionários que tomaram posse. Tem mais de um ano, e até hoje não tem monitoramento humano.”

O que diz a Secretaria Especial de Cultura

A administração do órgão é responsabilidade do governo federal. A Secretaria Especial de Cultura emitiu uma nota lamentando profundamente o incidente.

De acordo com o texto, “cabe registrar que todo o sistema de climatização do espaço passou por manutenção há cerca de um mês como parte do esforço do governo federal para manter o acervo da instituição. A Secretaria já solicitou apoio à Polícia Federal para investigação das causas do incêndio e só após o seu controle total pelo Corpo de Bombeiros que atua no local poderá determinar o impacto e as ações necessárias para uma eventual recuperação do acervo e, também, do espaço físico. Por fim, o governo federal, por meio da Secretaria, reafirma o seu compromisso com o espaço e com a manutenção de sua história.”

MPF já havia alertado sobre risco de incêndio na Cinemateca

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) alertou o governo federal sobre o risco de incêndio no último dia 20 de julho durante uma audiência contra a União por abandono da Cinemateca Brasileira.

“Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”, afirma o termo da audiência.

Embora alguns pontos da audiência anterior, em maio, tenham sido cumpridos, outros ainda estão em andamento. O prazo para o governo federal cumprir as medidas era de 45 dias. Ou seja, até o início de julho. A Justiça, entretanto, concedeu mais dois meses para a União dar continuidade às ações de preservação do patrimônio. O risco de incêndio foi observado tanto na sede da Cinemateca, na Vila Mariana, como nos galpões da Vila Leopoldina.

incêndio na cinemateca brasileira reprodução tv globo

Foto: Reprodução / TV Globo

Crise na Cinemateca Brasileira

No entanto, os problemas na Cinemateca Brasileira não se resumem apenas ao incêndio desta quinta-feira e de 2016. No ano passado, funcionários e entidades realizaram diversos protestos. Eles denunciavam que a instituição passava pela maior crise desde a sua fundação, em 1946. Não havia recursos para o básico. E isso inclui atrasos em salários; bem como contas de água e energia; fim do contrato com a brigada de incêndio e com a equipe de segurança.

De acordo com o governo, as medidas determinadas pela audiência no Tribunal Regional Federal da 3ª Região foram atendidas. A União afirma que realizou contratos emergenciais com brigadistas, vigilantes e para manutenção predial. Além disso, outros contratos estariam em fase de pregão e uma nova gestora está prestes a ser contratada. Ainda segundo o Estado, haverá recontratação de 42 funcionários e restabelecimento de um novo conselho deliberativo.

Falta de licitação e recursos

Embora o contrato para gestão da Cinemateca firmado entre o governo federal e a Organização Social (OS) Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) tenha se encerrado em 31 de dezembro de 2019, não houve nova licitação. Assim, a instituição se manteve de forma improvisada pela equipe técnica, sob gestão da Acerp, que permaneceu no local para não abandoná-lo. Mesmo sem os recursos e salários.

Em julho, funcionários da OS impediram o acesso de uma comitiva oficial da Secretaria da Cultura. Então, o órgão vinculado ao Ministério do Turismo registrou um boletim de ocorrência. O ex-ator Mário Frias, que assumiu como secretário de Cultura, solicitou à Acerp que entregasse as chaves da Cinemateca.

Assim, o governo federal assumiu a gestão do local. Dessa forma, funcionários foram demitidos pela OS, que não tinha como manter e pagar um corpo técnico altamente especializado.

Regina Duarte seria a nova gestora, mas nunca assumiu

A atriz Regina Duarte chegou a anunciar, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, que seria a nova gestora da Cinemateca Brasileira. O ato se deu após deixar o comando da Secretaria de Cultura, em maio de 2020. Mas, de fato, ela nunca assumiu. Tratou-se apenas de um blefe para sair por cima da pasta após decantar em verso e prosa uma música de apoio à ditadura na CNN Brasil.

Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, encerrou o contrato da Acerp para a realização da TV Escola. O então prefeito da capital, Bruno Covas (1980-2020), chegou a propor um plano de municipalização da Cinemateca. A ideia, contudo, não foi bem recebida pela Secretaria de Cultura. Dessa forma, a instituição acabou às mínguas. Sem nem saber quem, de fato, a assumiria.

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Frequentes trocas de secretários

O incêndio na Cinemateca Brasileira é só mais uma amostra do descaso do governo Bolsonaro com a Cultura. Desde que assumiu em janeiro de 2019, extinguiu o ministério, transformando-o em uma simples secretaria do Ministério da Cidadania e, em seguida, do Turismo.
Desde que o presidente chegou ao governo, a área cultural está sempre em turbulência. Para se ter uma ideia, Mario Frias já é o quinto secretário responsável pela pasta. O primeiro a assumir o cargo foi o deputado federal Henrique Pires (MDB), que se desentendeu com o ministro Osmar Terra após a suspensão de um edital de projetos LGBT para TVs públicas. Ele saiu da pasta por “não admitir que o governo imponha filtros na cultura”.
Em substituição, o secretário-adjunto da Cultura, José Paulo Soares Martins, permaneceu interinamente na chefia da pasta, até a escolha do economista Ricardo Braga, que deixou a Secretaria dois meses depois. Em seguida, o mais polêmico de todos: Roberto Alvim. O ex-diretor geral da Fundação Nacional de Artes (Funarte) foi exonerado por reproduzir, no início de 2020, em discurso, falas, ambientação e postura similares às do político ministro das Comunicações nazista Joseph Goebbels.
José Paulo Martins assumiu interinamente o cargo após a polêmica. Sucedido por Regina Duarte, a atriz também se envolveu com problemas, como citado anteriormente. Até chegarmos ao estado atual com o ex-ator de Malhação, Mario Frias, um fanático seguidor de Jair Bolsonaro, que estava ausente dos holofotes há tempos. E seria ótimo se tivesse se mantido assim.
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Descaso do governo Bolsonaro com a Cultura

Mas, infelizmente, para a nossa tristeza, a destruição da cultura por parte desse governo prossegue. Com censuras a festivais de punk e jazz, assim como liberação de verbas da Lei Rouanet para eventos promovidos por igrejas, não só a Cinemateca Brasileira sangra, mas como toda a nossa área.
Amazônia. CNPq. Negacionismo. Ditadura. Armas. Nazimo. Mais nazismo. Ódio. Até quando? É preciso  resistência e força. A esperança, ainda que difícil, não deve esvanecer jamais. Como já dizia Chico Buarque, “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Essa música sim, deveria ser decantada em prosa e verso em todos os cantos do nosso rico país.

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Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
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