BAÚ DO BLAH! | ‘O Show de Truman’ (1998)

Bruno Giacobbo

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3 de maio de 2019

Com os recursos certos, fazer um filme não é difícil. Difícil é fazer um filme que sobreviva à passagem do tempo e adquira contornos imortais. Em geral, isto ocorre com as obras-primas. Um longa que ganhe este epíteto é tão bom que, por si só, dispensa qualquer explicação sobre sua imortalidade. Existem outros que são considerados obras-primas, mas que possuem uma razão mais específica. Por exemplo: “O Nascimento de Uma Nação” (1915), “Cidadão Kane” (1941) e “Guerra nas Estrelas: Uma Nova Esperança” (1977) entraram para a história por empreenderem verdadeiras revoluções técnicas. O cinema nunca mais foi o mesmo depois do lançamento de cada um deles. E há ainda aqueles que são os chamados filmes-eventos por causarem algum tipo de comoção em suas épocas. Este é o caso de “Titanic” (1997), “O Sexto Sentido” (1999) e do recentíssimo “Vingadores: Ultimato” (2019). E é nesta última categoria que coloco O Show de Truman (The Truman Show).

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Com um orçamento de US$ 60 milhões, o longa-metragem escrito pelo neozelandês Andrew Niccol e dirigido pelo australiano Peter Weir é considerado, por alguns, o filme de arte mais caro de todos os tempos. Sua trama acompanha o dia a dia de Truman Burbank (Jim Carrey), um corretor de seguros que vive na pacata cidade de Seahaven. O problema é que tudo não passa de uma enorme farsa. Adotado, ainda bebê, por uma poderosa corporação, o protagonista foi criado dentro de uma espécie de Projac e tem sua vida transmitida, 24 horas por dia, para o mundo inteiro. Ou seja: ele é a estrela de um complexo e autêntico reality show concebido por Christof (Ed Harris), o showrunner que vive em função do programa. Nesta toada, naturalmente, todos os seus parentes, amigos, vizinhos e colegas de trabalho, Meryl Burbank/Hannah Gil (Laura Linney), Marlon/Louis Coltrane (Noah Emmerich), Lauren/Sylvia (Natascha McElhone) e Angela Burbank/Alanis Montclair (Holland Taylor) são atores.

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Um ano antes do lançamento deste filme, em 1997, o holandês John de Mol apresentava ao mundo o “Big Brother”, programa que teria seus direitos para o Brasil comprados pela Rede Globo e desembarcaria por aqui, em 2002. E apesar de existirem esboços de reality shows desde a década de 40, nos Estados Unidos, a verdade é que este tipo de atração televisiva e midiática ainda estava longe de ser uma febre. Logo, a história contada por Andrew Niccol e Peter Weir, hoje, soa como profética. Algumas reações passionais que assistimos no decorrer da trama, a maneira como as pessoas, muitas vezes, param tudo o que estão fazendo para ficarem grudadas na tela, xeretando a vida dos outros, era impensável naquela época e só seria vista mais tarde, quando a febre se alastrou. E é este caráter profético e o fato de que nada parecido foi feito depois, é que faz desta obra um filme-evento. Eu lembro bem da minha reação de incredulidade após assisti-lo pela primeira vez.

Diferentemente dos reality shows em que os participantes sabem que estão sendo observados, Truman Burbank não desconfia que sua vida é monitorada, diariamente, por milhões de pessoas. Pelo menos não inicialmente. Com o tempo, algumas coisas vão chamando sua atenção e ele começa a suspeitar que existe algo de estranho. Uma destas estranhezas é o comportamento de sua esposa, Meryl. Várias são as vezes que ela para e fala olhando fixamente para o nada. Seu olhar, na verdade, está voltado para uma das câmeras. E tudo fica ainda mais estranho quando o protagonista cisma em tirar umas férias e viajar para Fiji. Cada tentativa de se mandar é seguida de uma situação bastante inusitada. Estas coisas vão despertando nele uma sensação de paranoia, típica de quem acredita que esteja sendo vigiado, comum ao romance “1984”, de George Orwell, por sinal, de onde foi tirado o nome do reality show supracitado e a ideia que embasa todos os programas do gênero.

Apesar da engenhosidade do roteiro de O Show de Truman e da direção segura que conseguiu orquestrar todos os elementos deste filme-evento, a grande força da obra está na interpretação de seu protagonista. Oriundo da comédia, aqui, Jim Carrey provou todo o seu imenso talento também para o drama. Este trabalho lhe rendeu um Globo de Ouro, mas sequer uma indicação ao Oscar. Por quê? Esta é uma pergunta que persiste. Existe uma história que diz que, ao subir no palco do Hotel Beverly Hilton, em 24 de janeiro de 1999, ele teria dito que aquele era o prêmio que importava. Esta cutucada seria o motivo que levou a Academia a esnobá-lo. Após muito pesquisar, não encontrei nenhuma referência a esta fala. No entanto, em 2000, ao bisar o prêmio por “O Mundo de Andy” (1999), Carrey soltou: “Gostaria de agradecer a Academia… Ops, desculpem, estava pensando em outra coisa”. Longe de fornecer uma explicação definitiva, este episódio prova que o ator talvez não seja nada político, algo crucial se você deseja ser reconhecido por todos os seus pares.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: The Truman Show
Direção: Peter Weir
Produção: Scott Rudin, Andrew Niccol, Edward S. Feldman, Adam Schroeder
Roteiro: Andrew Niccol
Elenco: Jim Carrey, Ed Harris, Laura Linney, Noah Emmerich, Natascha McElhone, Holland Taylor
Diretor de Fotografia: Peter Biziou
Distribuição: Paramont Pictures
País: Estados Unidos
Gênero: drama, comédia
Ano de produção: 1998
Duração: 103 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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