CRÍTICA | ‘Culpa’ só precisa de um cenário, um ator excelente e um ótimo texto para cativar o público

Bruno Giacobbo

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26 de dezembro de 2018

Existem muitas formas de mensurar um filme e somente uma infalível: o teste do tempo. Com o passar dos anos, os filmes que sobrevivem a este permanecem atuais e melhoram a cada nova olhada. É por isto que o ofício de crítico de cinema é tão ingrato. Somos obrigados a avaliar uma obra no calor do momento, no limiar do prazo de publicação de um artigo. O ideal seria poder vê-la, no mínimo, duas vezes, com um intervalo entre estas sessões, e aí sim escrever. Desta forma, teríamos a chance de conceber uma resenha um tanto mais justa. Só que, na maioria das vezes, não dispomos deste tempo e somos obrigados assim mesmo a proceder com o nosso oficio. Situação análoga é a de um atendente de uma central de emergência. Normalmente, o tempo atua contra este e poucos minutos separam uma decisão acertada, capaz de salvar vidas, de uma equivocada.

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Estreia na direção do sueco Gustav Möller, Culpa (Den Skyldige) tem como protagonista o policial dinamarquês Asger Holm (Jakob Cedergren). Um dia, próximo do final do expediente em uma central telefônica da polícia de Copenhagen, ele atende a ligação de uma mulher, Iben (Jessica Dinnage). Um sequestro está em curso e ela é a vítima. Sem poderem entrar em detalhes sobre o que está acontecendo, sob pena do criminoso perceber o pedido de ajuda, eles estabelecem uma comunicação curiosa, mas que é interrompida diversas vezes por problemas como a falta de sinal ou outras ligações menos urgentes. O plot não é exatamente original, pois, de certa maneira, lembra o de “Chamada de Emergência” (2013), com Halle Berry. No entanto, assim como ocorre em “Locke” (2013), estrelado por Tom Hardy, o cineasta decidiu contar esta história utilizando apenas um cenário.

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Ainda que o longa-metragem de cinco anos atrás tenha só um intérprete em cena e este mostre outros policiais, a câmera foca 100% do tempo no seu ator principal. Esta superexposição é arriscada e perigosa, uma vez que concentra em uma única pessoa toda a responsabilidade em relação aos desdobramentos da trama. Em momento algum conhecemos o rosto de Iben ou o do seu sequestrador. As situações de perigo vividas por estes são descritas em palavras e cabe ao público imaginar como as coisas estão ocorrendo. Tal opção narrativa contraria a máxima de que cinema é imagem. A única imagem que vemos é a de Asger em ação e ele é a fagulha que atiça a fogueira da nossa imaginação. Se o desempenho de Jakob Cedergren não estivesse à altura do que se espera, por exemplo, de um ator em um monologo teatral, seria difícil comprar a proposta do filme, mas ele está ótimo.

Asger Holm (Jakob Cedergren) – Foto: California Filmes / Divulgação

Para a nossa sorte, o texto, escrito a quatro mãos pelo diretor e pelo roteirista Emil Nygaard Albertsen, reserva algumas surpresas agradáveis. Propositalmente, não sabemos nada sobre a vida pregressa do protagonista até a história começar. Aos poucos, informações são liberadas aqui e acolá. Nada de bandeja ou supetão. Elas funcionam como pequenas peças de um grande quebra-cabeça e encaixá-las corretamente influi no modo como enxergamos as ações de Asger no presente. Existe, ainda, outro plot twist. Nada muito impactante ou impossível de ser descoberto por um observador mais atento. Se vocês tiverem um insight logo de cara, não se desesperem. Isto dificilmente vai influenciar na forma como o longa-metragem enreda e cativa a atenção da plateia, já que a maneira como o policial reage a cada novo problema e lida com eles é tão importante quantos as tais surpresas.

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Candidato da Dinamarca ao Oscar 2019, Culpa é, até aqui, o mais pop dos nove concorrentes que restaram na disputa ao prêmio de melhor filme estrangeiro. E é apostando nesta pegada que seus produtores acreditam que ele estará entre os indicados. Longe de ter a estética, a densidade ou a pertinência temática de “Roma”, “Assunto de Família”, “Pássaros de Verão”, “Guerra Fria” ou “Cafarnaum”, o longa de Gustav Möller, provavelmente, é o que se comunicará mais facilmente com os norte-americanos, isto em uma época em que a Academia busca aumentar a audiência televisiva da premiação. Contudo, apesar deste predicado e das evidentes qualidades já mencionadas neste texto, tenho curiosidade em saber como ele se comportará ao teste do tempo, uma vez que obras que dependam (ainda que só em parte) de plot twists tendem a ser mais sensíveis à passagem dos anos.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original:  Den skyldige
Direção: Gustav Möller
Roteiro: Gustav Möller e Emil Nygaard Albertsen
Elenco: Jakob Cedergren, Jessica Dinnage, Jakob Ulrik Lohmann, Laura Bro
Distribuição: California Filmes
Data de estreia: qui, 27/12/18
País: Dinamarca
Gênero: drama, suspense
Ano de produção: 2018
Duração: 88 minutos

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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