CRÍTICA | ‘Um Estado de Liberdade’ é um filme grandiloquente

Bruno Giacobbo

Alçado ao posto de grande estrela por seu papel no drama “Clube de Compra Dallas” (2013) e uma sequência iluminada de atuações (“Killer Joe”, “Amor Bandido”, “Obsessão” e “O Lobo de Wall Street”) que o fizeram ganhar o Oscar de Melhor Ator, em 2014, o camaleônico Matthew McConaughey está de volta em um papel que, outrora, cairia muito bem no colo de Mel Gibson. No filme Um Estado de Liberdade (Free State of Jones), ele é Newton Knight, um capitão do exército confederado que decide voltar para casa, durante a Guerra Civil, em 1862, ao testemunhar a morte do sobrinho numa batalha. Além de não ser um rico senhor de escravos e de não compartilhar dos motivos que levaram o sul a tentar a separação do restante dos Estados Unidos, Newt acredita que toda mãe tem o direito de enterrar seu filho. Só que deserção é crime e seus atos são passíveis de graves consequências. Caçado por seus ex-companheiros de farda, o protagonista tem duas opções: se entregar ou lutar. Adivinhem qual escolherá?

Dirigido por Gary Ross, cineasta mais conhecido por obras como “Seabiscuit – Alma de Herói” (2003) e o primeiro capítulo da franquia “Jogos Vorazes” (2012), o longa é baseado em fatos reais. O personagem de fato existiu e teve uma vida que, dependendo da fonte consultada, pode ser classificada como heroica ou covarde. O diretor escolheu confiar na que aponta para a primeira opção. Após abandonar o confronto, Newt se refugiou dos militares no pântano. Lá, foi acolhido por um grupo de escravos fujões. Aos poucos, fez amizade com o líder deles, Moses (Mahershala Ali), e passou a simpatizar com a luta dos negros pela liberdade. No início, eles não passavam de dez pessoas. Com o tempo e a adesão de outros homens (cativos e desertores) passaram a ser 200, 250 ou mais. O resultado foi o surgimento de uma espécie de milícia que, lutando com afinco, conquistou algumas cidades da região e estabeleceu seu quartel-general em Jones. Assim, foram lançadas as bases para a fundação do “Estado Livre de Jones”, uma república independe do sul e do norte.

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Este novo país era regido por quatro principais fundamentais: (1) nenhum homem pode ser rico às custas da pobreza de outro; (2) nenhum homem deve dizer a outro como viver ou morrer; (3) todos os homens são responsáveis por cuidar e colher aquilo que plantam; (4) todos os homens são iguais. A intenção de Newt  era proclamar a independência daquela área? Não. O ato foi uma resposta a negativa de um general nortista em ajudar na luta contra os sulistas. É fácil criar uma república do nada? Claro que não. Mas, o que esperar de um norte-americano? Na terra da liberdade e das oportunidades, onde o povo lutou por seu direito de ser livre sem a ajuda de um nobre europeu, acreditar nesta versão dos fatos e contar esta história foi a forma escolhida por Ross de homenagear os Estados Unidos e sua gente. Esta é, sem duvida, uma película ufanista como “O Patriota” (2000), estrelado pelo já citado Gibson, e tantas outras obras de Hollywood. Contudo, esta não é a única história contada aqui.

Paralelamente, o filme avança 85 anos para mostrar um julgamento no Mississipi, em meados do século XX. Nesta época, apesar do absurdo, em muitos lugares do país, o casamento inter-racial ainda era proibido e um jovem casal está sendo julgado justamente por isto, apesar deles serem visivelmente brancos.  Todavia, o xis da questão é que o rapaz descende diretamente do capitão Newton Knight e de Rachel (Gugu Mbatha-Raw), uma escrava que este conheceu quando se refugiou no pântano. Não são muitas cenas e, em alguns momentos, elas parecem um pouco perdidas em meio a tantas tomadas de batalhas, porém são suficientemente claras para entendermos o drama vivido por aqueles dois jovens. Se a narrativa principal se assemelha, apesar do contexto histórico diferente (Guerra Civil e Guerra da Independência), ao longa com o Mel Gibson, esta segunda história é praticamente igual a de uma obra recentemente exibida no Festival do Rio: “Loving” (2016), com Joel  Edgerton. Talvez falte um pouco de uniformidade ao roteiro, entretanto, este não deixa de ser um interessante exercício simbiótico de enredo e uma forma de mostrar que, até hoje, a luta de Newt está muito longe de acabar.

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Excetuando este pequeno problema de roteiro, não resta nenhuma dúvida que Um Estado de Liberdade é um filme grandiloquente. Uma super produção com um excelente trabalho de direção de arte, figurinos impecáveis, onde vultuosos recursos foram gastos no desenvolvimento das cenas de batalhas e, por isto mesmo, altamente capaz de atrair a atenção dos fãs órfãos de obras como “Coração Valente” (1995). Em relação às interpretações, todo o destaque vai para Matthew McConaughey, que também impressiona pela caracterização como Newt, e para Mahershala Ali, que após ganhar notoriedade na série “House of Cards”, finalmente, teve a chance de desempenhar um papel relevante no cinema. Ainda assim, este poderia (e deveria) ter tido mais tempo em cena. Uma última observação: o título foi mal traduzido. Em inglês, ele faz referência ao país fundado por desertores e escravos. Em português, a impressão é que os tradutores tentaram aludir ao fato de que liberdade é, muitas vezes, uma questão de estado de espírito, mas a mensagem ficou confusa.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: The Free State of Jones
Direção: Gary Ross
Roteiro: Gary Ross
Elenco: Matthew McConaughey, Gugu Mbatha-Raw, Keri Russell
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 17/11/16
País: Estados Unidos
Gênero: suspense
Ano de produção: 2016
Duração: 139 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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